
Começa nesta semana, em Londres, uma rodada decisiva de negociações na Organização Marítima Internacional (IMO) que pode redefinir o futuro da transição energética no transporte marítimo global — e com impactos diretos sobre a economia e a política energética brasileira.
O país chega ao encontro como um dos principais exportadores mundiais afetados pelas decisões e, ao mesmo tempo, como potencial líder em soluções sustentáveis, como os biocombustíveis atrelados à cadeia de hidrogênio e amônia verdes.
A IMO discute até sexta-feira, 11 de abril, dois instrumentos inéditos: uma taxa global sobre emissões de carbono da navegação e um novo padrão internacional para os combustíveis usados em alto-mar. As medidas fazem parte da implementação da meta climática adotada em 2023, que prevê reduzir as emissões do setor em 30% até 2030 e alcançar emissões líquidas zero até meados do século. As decisões serão formalizadas no segundo semestre, mas os impactos sobre o comércio e os investimentos podem ser imediatos.
O pano de fundo é a crescente fragmentação do comércio internacional: com a guerra tarifária desencadeada por Trump, a inflação climática pressionando os preços globais dos alimentos e o avanço de medidas unilaterais de cobrança sobre emissões (como o ETS marítimo europeu), países como o Brasil precisam agir rápido para não perder competitividade.
Contexto de guerra comercial
“No cenário de guerra comercial global que está se desenhando, é sensato não impor uma cobrança sobre o transporte marítimo para levantar fundos climáticos. Isso tornaria o comércio internacional ainda mais caro e dificultaria ainda mais o crescimento econômico global e regional, por um lado. Por outro, também agravaria a desigualdade climática global, já que até mesmo os países em desenvolvimento teriam que arcar com esse ônus”, afirma Vaibhav Chaturvedi, pesquisador Sênior do Council on Energy, Environment and Water (CEEW) da Índia.
“Um maior repasse dos orçamentos dos países desenvolvidos — por mais difícil que isso pareça no mundo pós-Trump — é o único caminho realmente justo”, avalia.
Competitividade brasileira
Para o Brasil, a negociação é estratégica. De um lado, uma taxa mal desenhada pode afetar diretamente a competitividade das exportações brasileiras, fortemente dependentes da navegação de longa distância e de produtos pesados como minérios e alimentos. De outro, o novo padrão de combustível pode gerar oportunidades reais para a economia verde: o país é um dos maiores produtores de biocombustíveis do mundo, tem projetos em curso para produção de hidrogênio e amônia verdes, e dispõe de matriz renovável e infraestrutura portuária para escalar soluções energéticas limpas.
O Brasil apoia propostas que reconheçam os desafios de países em desenvolvimento e que garantam distribuição justa das receitas geradas pela taxa de carbono. Também defende regras ambientais rigorosas para evitar a entrada de biocombustíveis insustentáveis — como os derivados de milho dos Estados Unidos — no mercado marítimo. A diplomacia brasileira, no entanto, resiste à proposta de uma taxa global uniforme, temendo impactos econômicos desproporcionais.
O debate também toca em interesses estratégicos no setor de petróleo. A descarbonização da navegação — que consome cerca de 5% dos combustíveis fósseis do planeta — pode reduzir a demanda global por petróleo e gás, afetando diretamente projetos de exploração em novas fronteiras. A bacia da Foz do Amazonas, onde o Brasil avalia liberar novos poços de petróleo, é um dos exemplos mais sensíveis.
As negociações seguem até o fim da semana na sede da IMO, e a delegação brasileira deverá ter papel ativo nas discussões. A definição do pacote final será um teste para a capacidade do Brasil de equilibrar sua posição como potência ambiental e exportadora — e de se consolidar como fornecedor de soluções energéticas limpas para o mundo no ano em que preside a Conferência do Clima da ONU, COP30.
Holofotes sobre os BRICS
“Não é surpresa que China, Brasil, Índia, África do Sul e Arábia Saudita se oponham à taxa — sua posição já é clara e dificilmente mudará. Mas, este ano, os países do BRICS, junto com a União Europeia, estarão sob os holofotes — e essas negociações são apenas um dos muitos momentos que vão testar seu peso diplomático”, afirma Li Shuo, Diretor do China Climate Hub no Asia Society Policy Institute (ASPI). “Com os Estados Unidos mudando de foco, esses dois blocos precisam assumir a liderança, ou correm o risco de perder credibilidade aos olhos de parceiros comerciais-chave no Pacífico, na África e na América Latina — muitos dos quais apoiam a taxa.”
“Descarbonizar o transporte marítimo não é opcional, mas uma exigência para um sistema de comércio global sustentável”, destaca o embaixador Ali Mohamed, Enviado Especial do Quênia para Mudança do Clima. “Mas ao acolhermos essa taxa, é importante lembrar que as economias africanas não podem arcar com cobranças que aumentem os custos do comércio e aprofundem as disparidades econômicas globais.”