Rosane Santos, diretora de ESG da BAMIN: “Estar neste lugar é um privilégio e uma responsabilidade”

Rosane Santos, diretora de ESG da BAMIN

Em um país de histórico escravocrata, repleto de desigualdades sociais, raciais e de gênero, não é todos os dias que uma mulher, negra e oriunda da periferia chega a um cargo executivo de uma das maiores companhias com atuação no Brasil. Mas a carioca Rosane Santos tem desafiado as estatísticas.

Natural de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, ela foi a segunda da sua família a cursar o ensino superior (a irmã mais velha se formou em fonoaudiologia). Graduada em contabilidade pela UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e especialista em finanças pela UFF (Universidade Federal Fluminense), Rosane trabalhou nos últimos 15 anos nas áreas de governança corporativa, auditoria e compliance.

Em 2016, enquanto cursava um MBA executivo na Universidade de Oxford, na Inglaterra, entrou em contato com o universo ESG (sigla para governança ambiental, social e corporativa, em português), quando se sentiu atraída pela mudança da lógica empresarial de shareholder, o acionista, para a do stakeholder, ou seja, todas as pessoas interessadas na organização.

No primeiro semestre de 2022, Rosane foi anunciada como diretora de ESG da BAMIN, uma das maiores mineradoras com atuação no Brasil. Neste mês de setembro, durante a EXPOSIBRAM 2022, em Belo Horizonte, a executiva concedeu esta entrevista exclusiva ao Notícia Sustentável, que você lê agora:

Notícia Sustentável: Na sua avaliação, quais são os maiores desafios de se trabalhar com ESG no setor de mineração?

Rosane Santos: Os maiores desafios estão relacionados à complexidade geográfica e a quantidade de públicos diferenciados que fazem parte e precisam ser ouvidos. Quando eu olho, por exemplo, na perspectiva da BAMIN, estamos falando de um projeto integrado que tem uma mina conectada por uma ferrovia a um porto que estamos construindo em Ilhéus [Porto Sul]. Neste trecho todo são, aproximadamente, 40 municípios, daí essa complexidade. Para o ESG significa capturar as expectativas e percepções que esse público que vive ao redor têm em relação ao negócio (comunidades, poder público, sociedade civil). Trazer tudo isso para uma lógica de negócio que seja sustentável é um ponto que estaremos perseguindo o tempo todo e tentando aprimorar.

Em uma entrevista recente à Forbes, a senhora afirmou que dos três pilares básicos do ESG, o “S” de “Social” é o que representa maior complexidade. Quais são os motivos?

O social envolve muita voluntariedade da organização. É entender em que contexto essa companhia está atuando, fazer uma leitura profunda desse território e pensar em como é que eu, como organização, consigo promover desenvolvimento socioeconômico e melhora da qualidade de vida dessas pessoas através do meu negócio e por extensão do meu negócio.

As empresas vão ser cada vez mais provocadas a ir além daquilo que a legislação preconiza, ou seja, precisarão sempre maximizar essa contribuição social que elas conseguem oferecer. Em tese, essa contribuição já acontece pela geração de empregos, impostos recolhidos e que são revertidos para à população, mas fazer essa contribuição adicional é uma deliberação das empresas.

Para Rosane Santos, o menor impacto ambiental passa por uma boa gestão

Se envolver, criar soluções, promover o empreendedorismo social, a inovação, desenvolver iniciativas na área da educação com as prefeituras, ou seja, toda uma articulação que é necessária acontecer para, de fato, chegar a um contexto socioeconômico. Por isso eu acho que o social é, sim, um dos pilares mais desafiadores, principalmente pela condição do nosso país. O Brasil é um país que nos últimos anos deixou sua população mais vulnerável. As necessidades sociais têm aumentado em uma proporção relativamente rápida, então a gente precisa ter as organizações como participantes das soluções necessárias para trazê-las à população em geral, juntamente com os outros articuladores.

Sabemos das contribuições socioeconômicas que o setor minerário entrega às regiões onde está instalado. Por outro lado, quando ocorre uma grande tragédia, como nos casos recentes aqui de Minas Gerais, a reputação das mineradoras acaba comprometida como um todo. Como esse tipo de situação afeta o relacionamento da empresa com as comunidades?

O trabalho de relacionamento com comunidades precisa partir de uma lógica de respeito, que passa não apenas por apresentar ou propor a solução de uma iniciativa, mas que começa com um processo de escuta. Eu não posso propor ou entregar para a comunidade algo pronto. Preciso ouvir quais são as suas necessidades e maiores dores. Na nossa organização esse trabalho começa com o diagnóstico socioambiental, porque é preciso entender quem é essa população, o seu tamanho, maiores desafios e dores, voltar para dentro de casa, pensar na melhor forma dessa solução e construir isso junto com a população. Um dos desafios nesse sentido é ensinar a pescar e não apenas dar o peixe. Vão existir soluções em que você vai entregar o peixe, porque elas exigem ações mais imediatas, mas por que a gente também não ensina a população a ser mais partícipe daquilo que lhe compete? Se lá no final da mina chegarmos em um contexto de sair daquele território ou desacelerar as atividades, aquela região não pode ser comprometida. Você está habilitando todos, empoderando toda aquela região a caminhar, a se desenvolver e buscar soluções para os seus próprios anseios.

Eduardo Ledsham: “Sem ESG você não dá nenhum passo”

Em relação à diversidade, que é um tema cada vez mais debatido nessa agenda ESG, sabemos que a mineração é um setor majoritariamente ocupado por homens. Como é que a BAMIN vê esta questão? Há alguma meta relacionada em nível de liderança?

A BAMIN desenvolveu, a partir do ano passado, algumas frentes voltadas à inclusão. O nosso desafio para os próximos meses é trazer uma iniciativa em paralelo com a nossa agenda ESG. Diversidade e Inclusão é um dos temas materiais que a gente começa a trabalhar de uma forma mais estruturada e estratégica, envolvendo toda a organização.

Eu sou apaixonada por este tema e acho que isso é meio óbvio, né (risos)? Enquanto mulher, enquanto negra, estar neste lugar é um privilégio, mas ao mesmo tempo uma responsabilidade, porque eu sei as expectativas e todo o anseio que várias classes minoradas trazem para essa cadeira.

Na BAMIN, hoje, temos uma meta de mulheres em posição de liderança. Felizmente já superamos esta meta anual: que era de 18% e hoje já está em torno de 23% – achamos que conseguimos ainda melhorar este indicador até o final de 2022. Mas a gente não quer fazer apenas uma leitura de metas, porque a meta é resultado de uma execução, e essa execução precisa ser consistente. Então vamos trabalhar a diversidade, inclusão, equidade e respeito em um processo de cultura. São elementos da identidade da companhia que vamos reforçando na organização. Eu preciso olhar o outro e respeitá-lo do jeito que ele é. A BAMIN vai trazer isso como parte de sua identidade. Somos uma empresa baiana, o Brasil é um país feminino e negro, essencialmente, e isso precisa ser refletido na companhia.

Alguns estudiosos da sustentabilidade costumam discutir sobre um velho dilema no mundo corporativo: se as empresas devem ter um setor específico para tratar essa área ou se é algo que deve estar intrínseco a todos os níveis do negócio. Como a BAMIN encara isso?

Eu acho que não existe forma certa ou errada. O que existe é aquela melhor para cada tipo de organização. Eu, particularmente, penso que faz total sentido ter uma diretoria/área responsável por esse tema porque você consegue dar celeridade, algo como um grupo de trabalho que toca essa agenda dentro da organização. Quando eu olho os temas materiais da BAMIN, vejo que eles estão distribuídos por toda a organização. Garantir a celeridade da implantação dos processos é fundamental. Quando organizamos o nosso ESG, trabalhamos com quatro vetores:

  • Políticas e procedimentos;
  • Processo de gestão;
  • Monitoramento;
  • Report.

Cada área está envolvida, diariamente, com os seus processos. Uma área de ESG garante que vamos trabalhar todos esses temas, ao mesmo tempo, sem deixar nada para trás.

A senhora concorda com a visão de que o engajamento dos CEOs é imprescindível para o sucesso do ESG dentro da empresa?

Concordo. Até que toda a organização esteja aculturada em relação a agenda de sustentabilidade, é muito importante ter o direcional do CEO. É como uma catequese. Se é importante para o CEO, passa a ser importante para toda a organização. Isso ajuda muito o posicionamento da área e nas tratativas que você tem dentro da organização. O nosso CEO [Eduardo Ledsham] é absolutamente patrocinador do tema no âmbito da mineração, seja quanto ao relacionamento com as comunidades, gestão de resíduos, mudanças climáticas, equidade de gênero – todos estes temas (e como tratá-los) partem da visão de nosso CEO.

A BAMIN já anunciou que irá aumentar, consideravelmente, a produção de minério de ferro nos próximos anos. De que forma é possível ter esse desenvolvimento de produção impactando, o menos possível, o meio ambiente?

Em primeiro lugar, o menor impacto ambiental passa por uma boa gestão. Eu preciso entender a configuração ambiental do meu território e pensar como a minha operação pode impactar menos. É algo para além do que as licenças determinam. É o olhar para o meu negócio, para aquela geografia. No nosso caso, nós decidimos em lidar com uma dor do setor e não teremos barragem, por exemplo. Quando a empresa estava em seus anos iniciais de instalação – e também depois dos acidentes ocorridos, a população ficou muito temerosa de que ali fosse instalada uma barragem de rejeitos. Historicamente esse tema gerou tanta dor, que ninguém quer vivenciar aquilo de novo.

Aí é a questão de ouvir a comunidade, olhar a história e pensar: como é que eu faço diferente? Pensando no desenvolvimento sustentável. Então, a nossa operação não vai ter barragem. Ela trabalhará com filtragem de rejeitos à seco, que é um método mais seguro, no qual você aplica muita tecnologia e inovação para tratar os rejeitos de uma forma diferente e sustentável.

Você não vai ter deslocamento daquela massa no caso de um eventual movimento, uma maior recirculação da água e uma série de temas da agenda da sustentabilidade que aparecem ali, naquele processo de gestão ambiental.

De que forma o fato de a sua origem em Nova Iguaçu (RJ), uma região do Rio de Janeiro cujas comunidades têm uma série de demandas sociais básicas não atendidas, contribui para o relacionamento com as comunidades que a senhora precisa ter hoje como executiva de uma grande companhia? Te dá mais sensibilidade para compreender isso?

Me dá sororidade e empatia. Eu nasci em um lugar muito pobre. Embora o recorte geográfico seja diferente, pobreza é pobreza. E saber um pouco das dores que as populações vivenciam e como elas externalizam essas dores, eu penso que seja algo que me ajuda na hora de articular com o meu time, dentro da empresa, algumas agendas que são relevantes para o social. É aquele lugar de fala, que temos ouvido bastante ultimamente. Tenho um lugar privilegiado, ou seja, estou em uma posição de liderança enquanto executiva dessa agenda que é muito ambiciosa, mas eu consigo resgatar e relembrar uma série de dores que fazem parte dos mais vulneráveis, que são, em sua essência e maioria, os negros e as mulheres, pensando como a gente constrói no segmento corporativo algumas soluções sistematizadas para isso, juntamente com a população.

BAMIN aumentará produção de minério de ferro na Bahia até 2026, chegando a 26 milhões de toneladas/ano/Foto: BAMIN/Divulgação

A senhora viveu na Inglaterra. Em relação a sua percepção quanto a maturidade da agenda ESG em relação ao Brasil, há muita diferença?

Eu penso que estamos no caminho certo, mas em uma velocidade lenta. Quando a gente pensa na grande maioria das empresas brasileiras ou sediadas no Brasil, há uma estatística que diz que 55% delas ainda estão em um grau de maturidade muito baixo, abaixo da média. É por isso que o ESG é relevante, porque traz método. Tem um pouco de confusão ainda no mercado porque se trata de um tema nova e há muita informação envolvida, mas o que o ESG faz é trazer método, orientação e normatização para você tratar a sua agenda ESG e de sustentabilidade. Um não substitui o outro, mas eles se complementam. Então a empresa, ao invés de sair de uma visão muito restrita de fazer a sustentabilidade da forma que ela acha que é o certo, o ESG fala: olha, no setor de mineração, no setor “x”, no setor “y”, a agenda de sustentabilidade deve cobri-los e, a partir daí, ela te fornece orientações por meio de padrões internacionais diversos que vão te conduzindo no tratamento de cada um desses temas. Estamos, no Brasil, em uma fase de descobrir o tamanho da agenda de sustentabilidade das organizações.

Quando isso ficar mais sistematizado, vivo e dinâmico, e as empresas passarem a olhar a sustentabilidade não com desprezo, mas como investimento, porque disso depende a sustentabilidade do próprio negócio – não apenas em uma lógica de captação de investimento, mas também para continuar existindo – aí eu acho que a gente volta a acelerar.

Discussões, por exemplo, como o crédito de carbono, que aqui estão em fase muito embrionárias, com pouca maturidade, estão avançadas em outros países. Isso ocorre porque é necessário o interesse coletivo e envolvimento de várias esferas tanto de poder quanto de atuação. O fato de a gente discutir crédito de carbono, mostra que estamos na direção certa, mas o fato de ainda estarmos nesse nível de discussão, mostra que a velocidade ainda está lenta, então precisamos evoluir.

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