Tendências pós-pandemia apontam para cidades mais integradas à natureza

Parque do Ibirapuera em São Paulo/Foto: Jorge Araujo/Fotos Públicas
A restrição à liberdade de ir e vir e socializar causada pela pandemia do novo coronavírus trouxe aos seres humanos uma oportunidade única de reflexão, principalmente sobre como lidamos e passaremos a lidar com a natureza, segundo o arquiteto e urbanista Pedro Lira, sócio fundador da Natureza Urbana, escritório de arquitetura, urbanismo e planejamento estratégico especialista na elaboração de projetos de grande escala, entre eles equipamentos de uso público e de interesse turístico, no âmbito das cidades e de áreas naturais.
O impacto negativo da atividade humana e suas consequências para o planeta pode ser visível a partir do atual período em que o mundo enfrenta. Pesquisa realizada por Marshall Burke, da Universidade de Stanford, nos EUA, aponta que o isolamento realizado pelo governo chinês durante a epidemia diminuiu de forma expressiva a poluição por lá, o que pode ter salvado a vida de, ao menos, 50 mil pessoas.
Para Lira, o estudo apenas reforçou que o desenvolvimento desenfreado nos fez chegar aonde estamos hoje, e que apenas um repensar na forma em como vivemos e nos relacionamos com o meio ambiente permitirá ao homem uma vida longa e saudável. “Tal alegação parece não ser novidade, mas foi preciso uma pandemia para que a levássemos a sério”, explica o arquiteto, que também é consultor para espaços públicos da United NationOffice for Planning Services (UNOPS) e representante do Brasil no comitê de cidades emergentes World UrbanParks (WUP).

Enquete aponta tendências nas cidades

Considerando que o ser humano é um animal social por natureza e que a maior parte da população mundial vive em áreas urbanas, quão grande é o desafio de reestruturar nosso modo de viver para atender às demandas de distanciamento social?
A partir desse questionamento, a Natureza Urbana realizou uma pesquisa em suas redes sociais e obteve respostas de aproximadamente 1000 participantes que se interessam por temas como planejamento urbano, mobilidade, política, arquitetura e turismo. A maioria dos respondentes foram dos estados de Minas Gerais (11%), Ceará (10%), Bahia (10%), São Paulo (8%) e Pernambuco (8%).
Questionados sobre quais locais serão mais frequentados pós-Covid-19, 55% apontaram para parques e praças, 22% para bares e restaurantes, 17% acreditam que espaços para o pedestre em geral serão os mais buscados e apenas 6% indicam os shoppings como possíveis lugares mais frequentados. A respeito do efeito sobre deslocamentos e quais meios de locomoção serão os mais privilegiados, 65% apostam em transportes que permitam deslocamentos de forma individual, como bicicletas, a pé ou veículos, 23% optaram por evitar deslocamentos, enquanto apenas 12% afirmam que vão buscar mais ônibus e metrô, sendo a maioria (65%) na faixa etária entre 18 e 24 anos.
Com relação aos espaços de trabalho, 81% acreditam que a relação mudará de forma permanente, e 72% acreditam que haverá uma redução na demanda por edifícios de escritórios. Por fim, perguntados livremente sobre quais hábitos serão criados nas cidades pós-pandemia, a maioria confirma a tendência de se evitar deslocamentos com o aumento do home office, de compras on-line e ensino a distância, havendo ainda uma demanda por um número maior de espaços públicos e mais amplos.

Para Lira, a enquete aponta para a tendência de maior valorização dos espaços livres nas cidades, que se confirmarão como os principais locais de lazer, para a realização de atividades físicas e até escolares, já que nesses espaços o distanciamento social pode ser mais bem administrado.

“Os resultados fortalecem a ideia de que a criação de mais parques equipados, associados a equipamentos de interesse público, sejam eles escolas, mercados, bibliotecas ou outras instituições que possam estender suas atividades ao espaço livre seja uma solução, principalmente em grandes centros áridos como São Paulo”, destaca o sócio fundador da Natureza Urbana.

Mobilidade ativa

Com relação à mobilidade, a enquete ressalta a importância da estruturação de uma infraestrutura urbana que permita mobilidade ativa, tais como ciclovias e espaços mais adequados aos pedestres, indicando a tendência de uma provável diminuição dos deslocamentos, situação que deve contribuir para redução nos índices de poluição.

“Faz-se necessário implantar uma rede contínua de espaços livres de fato, composta por eixos caminháveis ecicláveis associados a praças e parques. Para tal, transformar parte de nossas ruas em espaços para a mobilidade ativa e de lazer para o pedestre, em todos os bairros, pode ser solução de implantação rápida e barata”, explica Pedro Lira, dando como exemplo de Barcelona, que redesenhará a cidade nos próximos dias a fim de que a falta de confinamento não impeça a manutenção das distâncias recomendáveis de segurança nas ruas.

A prefeita catalã Ada Calau comentou, em uma coletiva de imprensa no último sábado (25), a proposta do governo de não ter o carro como principal meio de locomoção, mas sim alargar calçadas, demarcando-as com tinta, para que amplie seu uso por pedestres, facilitando também o uso da bicicleta e da scooter como meio de transporte. Iniciativas parecidas estão sendo pensadas em Milão, Paris e Nova York.

Segundo Pedro Lira, as tendências pós-pandemia apontam para uma oportunidade de diminuir definitivamente os impactos do homem sobre o planeta, “e indicam que parte das soluções já estão presentes no nosso dia a dia há muito tempo, desde repensar o modelo de ocupação do território ao tipo de comida que é colocada em nossos pratos, mas nunca houve a coragem de implantá-las”.

“A pandemia é resultado do excesso de pressões que exercemos sobre o ecossistema. Se não mudarmos a nossa relação com o planeta, outras virão com maior impacto. Devolver espaço à natureza em nossas vidas é a grande solução”, reforça o arquiteto.

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