Por Conexão Planeta
O que o ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, disse na reunião ministerial de 22 de abril é apenas a confirmação declarada de sua missão neste governo. Desde que Jair Bolsonaro assumiu, em janeiro de 2019, ameaças e descasos contra o patrimônio ambiental e a vida dos povos tradicionais têm sido denunciados pelos jornalistas especializados, como nós, constantemente.
“A mídia e os jornalistas ambientais estão atentos a tudo o que esse ministro faz e, antes que o golpe ambiental seja consumado, é preciso agir contra o desmonte da legislação ambiental e das instituições de fiscalização e de pesquisa ambientais”, disse, em nota o presidente da Rede Brasileira de jornalismo Ambiental (RBJA), Dal Marcondes.
É por isso que nós – Mônica Nunes e Suzana Camargo, do Conexão Planeta -, neste momento, nos unimos à mídia socioambiental independente – que integra essa rede – em defesa do respeito às leis e do compromisso irrestrito do governo na proteção da natureza e não a favor de interesses econômicos.
Na referida reunião – que indignou o Brasil e o mundo com a liberação de sua gravação pelo STF, na sexta-feira passada –, Salles desprezou a capacidade da imprensa, ao mesmo tempo em que revelou sua força.
Convidou os presentes a aproveitar a pandemia, que já matou mais de 22 mil brasileiros, chamando-a de “momento de tranquilidade no aspecto da cobertura da imprensa, que só fala da COVID”, para flexibilizarem e alterarem leis e medidas. Ou, em suas palavras: “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”.
E foi além: “Não precisamos do Congresso! Porque coisa que precisa do Congresso também, nesse fuzuê que está aí, nós não vamos conseguir aprovar. Agora tem um monte de coisa que é só, parecer, caneta, parecer, caneta. Sem parecer também não tem caneta, porque dar uma canetada sem parecer é cana”.
Fiscalizaremos cada ato deste governo!
Nesse contexto, vale destacar que “a legislação ambiental brasileira sempre foi considerada uma das mais avançadas do mundo, e o país assumiu uma posição de respeito nas conferências internacionais sobre meio ambiente, clima e desenvolvimento sustentável“, como bem lembrou Marcondes em sua nota.
Na gravação fatídica, Salles destacou a importância de contar com o apoio da Advocacia Geral da União. “Agora é hora de unir esforços para dar de baciada a simplificação”, deixando a “AGU de stand by pra cada pau que tiver, porque vai ter. Essa semana mesmo nós assinamos a simplificação da Lei da Mata Atlântica, pra usar o código florestal. E hoje tá jornais que vão entrar com medidas, com ações judiciais e ação pública, no Brasil inteiro, contra a medida. Então, pra isso, nós temos que estar com a artilharia da AGU preparada”. Sem a imprensa, com certeza ele não estaria passando por essa “chateação” (leia sobre a tentativa de mudança na Lei da Mata Atlântica).
Foi dessa força que Marcondes falou em sua nota, quando ressaltou o papel da imprensa especializada nas denúncias contra o desmonte da política ambiental implementado pelo governo, que só cresce com este movimento:
“O Jornalismo Ambiental Brasileiro tem demonstrado sua alta capacidade técnica e capilaridade de cobertura. Agora é hora de, mais uma vez, nos unirmos para fiscalizar cada ato desse governo e não permitir que ‘um boi sequer’ passe sem ser esmiuçado e compreendido em suas origens e propósitos. Estamos juntos e seguiremos firmes no propósito da defesa da lei e do patrimônio ambiental Brasileiro”.
A reação do ministro e seu ‘legado’
Como é de costume, em seu Twitter, Salles tratou logo de negar as acusações, dizendo que suas declarações demonstram apenas preocupação com a desburocratização, que é “uma bandeira do Governo Federal”.
Antes de encontrar Salles, em outubro de 2018, Bolsonaro já deu sinais de que não se interessava pelo meio ambiente e sugeriu a fusão desse ministério com o da agricultura. Voltou atrás, mas logo que o governo começou a atuar, transferiu o Serviço Florestal Brasileiro para o ministério da agricultura e o entregou para o autor de um projeto de lei que liberava a caça de animais silvestres. E, assim, se iniciava a política de desmonte.
Salles enfraqueceu os órgãos de fiscalização – ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) –, paulatinamente, alterando suas estruturas com a demissão de técnicos e de pesquisadores experientes.
Também tentou alterar as regras do Fundo Amazônia, mantido pela Noruega e pela Alemanha, o que resultou no fim da parceria, que ele tentou retomar, sem sucesso. Entre outras medidas polêmicas, relacionadas com seu ministério, Bolsonaro demitiu o diretor do INPE, Ricardo Galvão, porque queria maquiar ou esconder os dados do desmatamento, que são públicos.
A imprensa especializada, como nós, não tem feito outra coisa do que denunciar o constante aumento dos índices de desmatamento divulgados pelo Inpe e pelo Imazon. Na semana passada, este instituto revelou que a destruição na Amazônia foi a maior em dez anos.
Dias depois da reunião ministerial, Salles exonerou os chefes de fiscalização do Ibama, responsáveis por uma megaoperação de combate ao desmatamento em terras indígenas na Amazônia, acompanhada pela reportagem do programa Fantástico.
A rápida reação da sociedade civil
Rapidamente, as organizações da sociedade civil Greenpeace, WWF-Brasil, SOS Mata Atlântica, ClimaInfo, Instituto Socioambiental (ISA) e Observatório do Clima (OC) se uniram para denunciar Salles em jornais de grande circulação como O Globo e Folha de São Paulo, neste domingo, com um anúncio de página inteira que diz: “Hora de passar a boiada – Para o Ministro do Meio Ambiente, mais de 20 mil mortos são uma oportunidade”. E acrescenta: “A fala de Ricardo Salles comprova a importância da imprensa livre e comprometida com a correta apuração dos fatos”.
Ministro da educação ataca povos tradicionais
As declarações de Salles não foram as únicas que causaram indignação pela sordidez de suas intenções na tal reunião. O ministro da educação, Abraham Weintraub, também se destacou nesse quesito.
Sem dizer uma só palavra a respeito de ações e realizações de sua pasta, usou seu tempo para se vitimizar, chamar os juízes do STF de vagabundos e declarar que os colocaria na prisão e afirmar, aos berros, que odeia os termos “povos indígenas” e “povos ciganos” porque somos um povo só: o povo brasileiro. “É preciso acabar com esse negócio de povos e privilégios” porque, no Brasil, “só tem um povo: o brasileiro”.
Com essa declaração, mais uma vez, revelou completo despreparo para gerir a educação no país, além de que é racista e preconceituoso. Depois, se justificou dizendo que “esse desabafo não foi um discurso pensado. Eu estava em uma reunião fechada e todos tiveram que entrar sem celular. Sou realmente um cara sincero e educado, como podem constatar’.
Como nossa missão é divulgar conhecimento e denunciar tudo que for contra a vida e os direitos, por isso não podemos nos calar diante de tanta agressão. O fascismo está embutido nas palavras de Weintraub – e de todos os representantes deste governo –, como também o ódio às comunidades tradicionais, aos mais pobres e aos excluídos. O desprezo à nossa origem e à nossa cultura.