Microalgas ajudam a tratar efluente do etanol

O reúso mais comum da vinhaça no Brasil é como fertilizante, o que dá destino ao efluente sem descartar o seu risco altamente poluidor. Na foto, aplicação de vinhaça como fertilizante/Foto: Jarbas Yurasseck Jr./Commons

Por Aline Fernandes França, do Ciência UFPR

Com recorde histórico de produção em 2020 — 35,6 bilhões de litros, dos quais 34 bilhões de cana-de-açúcar, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) — , o Brasil é o segundo produtor de álcool do mundo, o que traz impacto econômico, mas também ambiental.

A produção do etanol gera uma série de resíduos, entre eles um efluente conhecido como vinhaça ou vinhoto, líquido que sobra da destilação e, no caso da cana-de-açúcar, em uma proporção alta: de 12 a 18 litros por litro de álcool produzido. O reúso mais comum da vinhaça no país é como fertilizante, o que dá destino ao efluente sem no entanto descartar o seu risco altamente poluidor.

Uma pesquisa de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia (PPGEBB) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) desenvolveu uma alternativa para o tratamento desse tipo de efluente, utilizando microalgas encapsuladas.

A técnica permite tratar a vinhaça e transformá-la em um meio de cultura com possibilidade para produção de microalgas de potencial biotecnológico. O processo está descrito no artigo “Rice vinasse treatment by immobilized Synechococcus pevalekii and its effect on Dunaliella salina cultivatio“, publicado em março na revista Bioprocess and Biosystems Engineering.

Capazes de sintetizar moléculas de alto valor agregado com as mais diversas propriedades biológicas, as microalgas apresentam grande versatilidade. No caso do tratamento dos efluentes agroindustriais, elas são usadas para promover a absorção e o armazenamento de elementos químicos. O principal desafio nesse processo é a recuperação da biomassa – separação das células do meio de cultivo –, em geral realizada por centrifugação, o que torna alto o consumo de energia em escala industrial.

A técnica desenvolvida pelo doutorando Guilherme Colusse é aplicada por meio de uma matriz polissacarídica em formato esférico, em que as células são presas. Nesse caso, a simples filtração mostrou-se eficiente para a separação das esferas do meio líquido, eliminando a necessidade de centrifugação.

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No estudo foi utilizada vinhaça do álcool de arroz, semelhante à vinhaça da cana-de-açúcar, obtida com apoio da empresa Bio4-Soluções Biotecnológicos, que participa da pesquisa por meio de convênio.

Após o encapsulamento das células, o pesquisador montou um biorreator para avaliar o tratamento da vinhaça pelo período de dez dias. As análises físico-químicas demonstraram que houve redução em vários parâmetros químicos da vinhaça.

“Mesmo ainda sendo em escala laboratorial, com mais estudos esse bioprocesso poderia ser escalado para atender maiores demandas”, afirma Guilherme.

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Entre as vantagens do uso de microalgas encapsuladas, o orientador da pesquisa e professor permanente do PPGEBB, Miguel Daniel Noseda, aponta a possibilidade de reutilização dos microrganismos no bioprocesso e o fato de o sistema permitir a recuperação das microalgas para que essa biomassa microalgal possa ser aproveitada para outras finalidades, tais como extração das biomoléculas.

“Dependendo das características das células, os processos utilizados para a recuperação da biomassa podem ser onerosos. Neste caso, com a técnica de encapsulamento, esse desafio é superado tendo em vista a facilidade da separação, pois esferas de cerca de meio centímetro podem ser filtradas de forma simples a baixo custo”, explica o professor vinculado ao Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da UFPR.

Vinhaça tratada permite cultivo de microalga produtora de betacaroteno

Após o tratamento biológico utilizando as microalgas encapsuladas, a pesquisa utilizou a vinhaça recém-tratada para o cultivo de Dunaliella salina – uma espécie de microalga de água salgada considerada maior produtora de betacaroteno do mundo, com cultivos industriais em vários países.

Como a produção de betacaroteno é atrelada à densidade celular da cultura de D. salina, e, quanto mais células, maior o potencial de produção, o objetivo dos pesquisadores era investigar se o efluente recém-tratado poderia ser utilizado como meio de cultivo para essa espécie, que possui alto interesse comercial. Os resultados apresentaram um aumento de 175% no número de células de D. salina, utilizando o resíduo agroindustrial tratado como meio de cultivo.

“Além do tratamento de um efluente agroindustrial e seu uso, encontramos uma forma de reduzir o custo de produção de D. salina e, ao mesmo tempo, aumentar sua produção”, destaca o pesquisador Guilherme.

O cultivo de microalgas, de acordo com Noseda, pode ser aplicado em um misto de economia circular e biorrefinaria em que, a partir do tratamento de um resíduo ou subproduto agroindustrial, por meio do emprego de microalga encapsulada, há aumento de produtividade de outra espécie de microalga de alto valor agregado.

“O sistema recebe um efluente agroindustrial e devolve o efluente tratado, mais um aumento de produtividade de células onde seria possível diminuir os custos da produção de betacaroteno”.

Além de tratamento de resíduos, uso biotecnológico das microalgas inclui fonte proteica e biocombustíveis

As microalgas são microrganismos que realizam fotossíntese. Aliadas a luz solar ou artificial e nutrientes, são células que podem produzir compostos com elevado valor agregado e potencial biotecnológico.

A versatilidade de aplicações abrange o uso como fonte proteica em dietas alimentares, produção de ácidos graxos poliinsaturados, polissacarídeos, exopolissacarídeos, pigmentos e lipídeos como matéria prima na produção de biocombustíveis.

As microalgas podem ainda ser utilizadas em tratamentos de águas residuais e promovendo a absorção de elementos nocivos ao meio ambiente.

“Além do potencial industrial existente, vale ressaltar que as células de microalgas fixam carbono obtido através do dióxido de carbono na atmosfera, combatendo as emissões de gases de efeito estufa e produzem grande parte do oxigênio presente no nosso planeta”, ressalta Noseda.

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