
A recente sanção da Lei 15.042/2024 inaugurou um novo capítulo no mercado de carbono brasileiro, tornando obrigatório o inventário anual de emissões para empresas que ultrapassam 10 mil toneladas de CO₂ equivalente.
Para companhias com emissões acima de 25 mil toneladas, a exigência inclui ainda um relatório de conciliação periódica de obrigações para atender aos compromissos ambientais definidos no âmbito do Sistema Brasileiro do Comércio de Emissões (SBCE). Alinhada a tendências globais de transparência climática, a regulação deve estimular a transição das empresas brasileiras para uma economia de baixo carbono.
“O inventário de emissões deixa de ser um diferencial competitivo para se tornar uma exigência regulatória. Isso representa uma mudança estrutural para as empresas, que precisarão entender suas emissões e definir estratégias de redução,” explica Felipe Viana, diretor comercial da Carbonext.
Mas como elaborar um inventário de emissões de carbono assertivo e em conformidade com padrões internacionais? Detalhamos abaixo os cinco passos fundamentais para as empresas desenvolverem seus relatórios.
1. Discovery de emissões: o primeiro passo para entender sua pegada de carbono
O primeiro passo para um inventário robusto é compreender o perfil de emissões da empresa, mapeando as fontes emissoras e estimando os consumos energéticos e operacionais. Nesse processo, as emissões são categorizadas em três escopos, de acordo com a metodologia global GHG Protocol: o Escopo 1, que abrange emissões diretas da empresa (como combustão de combustíveis fósseis de frota própria); o Escopo 2, que engloba emissões indiretas associadas ao uso de energia; e o Escopo 3, que cobre todas as demais emissões indiretas ao longo da cadeia de valor.
Desde 1998, o GHG Protocol vem sendo aprimorado e adotado como referência mundial para quantificação de emissões. No Brasil, a Fundação Getulio Vargas (FGV) consolidou sua versão nacional em 2008, garantindo mais aderência às particularidades do país. A FGV é responsável pelo Registro Público de Emissões, plataforma de referência no mercado para o relato de emissões corporativas na América Latina. Empresas que registram suas emissões voluntariamente podem obter selos como Bronze (inventários parciais), Prata (inventários completos) e Ouro (inventários completos e verificados por terceira parte acreditada).
2. Levantamento de dados: precisão e estruturação das informações
Com as fontes emissoras identificadas, o próximo passo é o levantamento detalhado de dados. Para isso, recomenda-se a formação de um comitê interno multidisciplinar, composto por profissionais de diversas áreas da empresa para fornecer as informações detalhadas necessárias. Esse grupo deve ter autoridade interna e tempo disponível para organizar processos e definir cronogramas, assegurando que as informações sejam coletadas com metodologia e rigor técnico.
Na maior parte das vezes, o levantamento de informações é a etapa mais difícil no primeiro inventário de uma empresa. É importante identificar quais são os melhores dados dentro das possibilidades dessa etapa, e, nesse sentido, a tecnologia pode ser uma aliada. “Na Carbonext, temos uma API aberta que permite cálculos de deslocamento de cargas rodoviárias e aéreas com base nos CEPs e pesos transportados, por exemplo”, afirma Thalita Barttocz, analista de inventários da companhia.
3. Metodologia e quantificação: convertendo dados em informação estratégica
Após a coleta de dados, é hora de calcular as emissões da empresa de forma rigorosa e alinhada com padrões internacionais. A metodologia mais utilizada nas quantificações também é o GHG Protocol, compatível com normas ISO e com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). O cálculo das emissões envolve a conversão dos dados em toneladas de CO₂ equivalente, abrangendo Gases de Efeito Estufa (GEE) como CO₂, CH₄, N₂O e CO₂ biogênico.
Além de utilizar a base do GHG Protocol, é possível recorrer a bases de dados setoriais, como a do Ecoinvent, para cálculos em segmentos específicos. Setores como aviação, indústria química e cimento possuem particularidades que influenciam diretamente no cálculo de emissões, exigindo uma abordagem personalizada. Empresas que já possuem inventários anteriores também podem comparar seus resultados ao longo dos anos, avaliando tendências e o impacto das medidas.
4. Oportunidades de mitigação e melhorias: reduzindo a pegada de carbono
Com os dados quantificados, é possível identificar oportunidades de mitigação das emissões e melhorias operacionais, algo que já é feito simultaneamente aos passos anteriores. Essa etapa avalia quais processos podem ser otimizados, quais insumos podem ser substituídos por opções mais sustentáveis e como a empresa pode reduzir sua pegada de carbono de forma estratégica.
Esse passo também inclui o relatório de todas as ações que a empresa já vem fazendo, um benchmarking com concorrentes e inovações tecnológicas aplicáveis à operação. A participação do comitê interno é essencial nessa fase, pois as equipes podem contribuir com insights sobre as iniciativas. Esse diagnóstico auxilia na definição de prioridades para as ações futuras de mitigação, preparando a empresa para evoluir na sua jornada de descarbonização.
5. Apresentação dos resultados e sensibilização
A etapa de apresentação dos resultados é essencial para sensibilizar stakeholders internos sobre a importância da gestão de emissões e seu impacto nas estratégias ESG, capacitando-os quanto à jornada de descarbonização da empresa e a crise climática. Além de divulgar os resultados, esse momento permite engajar lideranças e colaboradores na busca por soluções de descarbonização.
Durante a produção do inventário, muitas empresas identificam padrões de consumo que podem ser ajustados, resultando em economia de recursos e redução de custos. “Um inventário de emissões não é um relatório para se guardar na gaveta, mas uma ferramenta para entender e guiar as emissões da empresa. Ele permite visualizar os maiores ofensores da operação e identificar padrões de consumo para tomar as decisões estratégicamente mais sustentáveis”, destaca Thalita Barttocz, da Carbonext.
Jornada de descarbonização e consultoria especializada
É importante deixar claro que o inventário de emissões é apenas a primeira parte de uma jornada de descarbonização das empresas. Após esse diagnóstico, é possível estruturar um plano de mitigação alinhado às exigências regulatórias, que pode ou não envolver a compensação por meio de créditos de carbono. Para esse planejamento e para garantir um inventário preciso, com um laudo ambiental confiável e verificado, é recomendável contar com uma consultoria parceira especializada, uma demanda em crescimento no mercado.
“Na Carbonext, engenheiros e técnicos conduzem cada etapa do processo, ajudando as empresas a definirem estratégias personalizadas e metas alinhadas à ciência climática, com base no SBTi (Science Based Targets initiative)”, afirma Felipe Viana, da Carbonext. Esse parceiro deve utilizar ainda ferramentas para avaliar o custo-benefício das ações de mitigação – como a Curva MAC (Curva de Custo Marginal de Abatimento), por exemplo –, respeitando o ritmo e as particularidades do negócio.
“A gestão estratégica das emissões é um diferencial cada vez mais valorizado e isso só tende a crescer com a regulação do mercado de carbono”, conclui Viana.