Por Claudia Guadagnin
Em seis anos, o projeto “Salvando Árvores da Extinção” alcançou resultados expressivos no enriquecimento da Mata Atlântica no litoral do Paraná. Desde 2018, a iniciativa, conhecida internacionalmente como The Un-Endangered Forest™, promove o plantio de mudas de espécies nativas da Mata Atlântica ameaçadas de extinção, com o apoio de uma Rede de Plantadores parceiros.
Até o momento, já foram distribuídas 5.316 mudas de 50 espécies diferentes para 126 proprietários rurais da região, que integram a rede. No total, 38.196 sementes foram coletadas de 536 árvores matrizes — aquelas com maior variabilidade genética, o que garante mudas mais robustas e saudáveis. Além disso, o crescimento e desenvolvimento de 3.969 mudas estão sendo monitorados por um aplicativo, que acompanha todas as etapas do plantio.
Para gerar mais visibilidade ao projeto, foi firmada parceria com as prefeituras de Morretes e Antonina. No dia 21 de setembro, haverá uma ação de plantio de espécies raras nas principais praças dos dois municípios. Entre as espécies que serão plantadas estão peroba, jequitibá, araribá, pindaíba e canela-nhutinga. A ação contará com a participação de autoridades públicas, como o secretário de Meio Ambiente de Antonina, Murylo Nemer de Souza, e a secretária de Meio Ambiente e Urbanismo de Morretes, Jessica Ronchini, além de pessoas envolvidas no projeto.
Para celebrar essas conquistas, ampliar a Rede de Plantadores e aumentar a conscientização sobre os desafios ambientais, o Ekôa Park sediou no domingo, 22 de setembro, o segundo encontro da Rede de Plantadores, um evento aberto ao público.
A programação contou com palestras, workshops sobre as frutas nativas da Mata Atlântica, ações de plantio, atividades de educação ambiental e diversas iniciativas educativas e sustentáveis. Como destaque, Raissa Fayet, artista, comunicadora e ativista, se apresentou ao final do evento.
Como tudo começou
O projeto “Salvando Árvores da Extinção” é uma iniciativa conjunta do Ekôa Park, um parque de experiências ecológicas localizado em Morretes, no litoral do Paraná, e do Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental, sediado em Florianópolis (SC), com o apoio da Porto Morretes, fabricante das cachaças Novo Fogo e Porto Morretes, também produzidas em Morretes.
A ideia de estimular o plantio de espécies nativas da Mata Atlântica ameaçadas de extinção surgiu em 2018, quando Fulgêncio Torres, fundador e presidente da Porto Morretes, junto com seus parceiros de negócios Dragos Axinte e Luke McKinley, da Novo Fogo, enfrentaram dificuldades para encontrar barris feitos de madeiras brasileiras nativas da Mata Atlântica para o envelhecimento das cachaças destinadas à exportação. Essa situação acendeu um “alerta vermelho” para os empresários.
Diante desse cenário, com a crescente dificuldade de obter barris feitos com madeira sustentável, o grupo decidiu buscar parcerias para criar um programa que contribuísse para a conservação da Floresta Atlântica. Após várias discussões, decidiram produzir mudas e cultivar árvores raras e ameaçadas de extinção no litoral do Paraná, como jequitibá, pau-óleo, canelas, baguaçu, pau-sangue, entre outras, que foram intensamente exploradas no passado.
Ainda em 2018, o Instituto Hórus e o Ekôa Park assumiram o desafio de idealizar, criar, planejar e conduzir o programa. “Acreditamos que o programa poderia representar um passo importante para enriquecer áreas de floresta com espécies nobres, visando que, dentro de 20 a 30 anos, os barris de madeira usados no envelhecimento das cachaças sejam provenientes de fontes sustentáveis, e não de fontes ilegais,” afirma Fulgêncio Torres.
A seleção das espécies cultivadas no viveiro baseia-se na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza), no Centro Nacional de Conservação da Flora, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro e na Lista Vermelha de Flora do Paraná. O objetivo do programa é distribuir mudas para o litoral do Paraná, enriquecendo florestas empobrecidas e aumentando a conscientização sobre temas ambientais.
Para Tatiana Perim, diretora executiva do Ekôa Park, os resultados até agora são motivo de celebração e otimismo: “Ver a Rede de Plantadores crescer e as mudas prosperarem na Mata Atlântica nos mostra que estamos no caminho certo para enriquecer e proteger esse bioma tão importante. Este segundo encontro é uma oportunidade única para fortalecer os laços entre nossos parceiros, ampliar a rede de plantadores e compartilhar conhecimentos que inspiram e engajam ainda mais pessoas na causa da conservação ambiental.”
Quem faz o quê
Desde seu início, o projeto “Salvando Árvores da Extinção” envolve cientistas, um parque de experiências ecológicas, um aplicativo inovador e uma fabricante de cachaças, todos trabalhando juntos para enriquecer a Mata Atlântica.
A parte científica é conduzida pelo Instituto Hórus, uma organização não governamental fundada em 2002, que se dedica à restauração de áreas naturais e ao desenvolvimento de iniciativas de manejo de espécies exóticas invasoras, visando a conservação da biodiversidade. O Instituto Hórus idealizou o programa em duas fases: a primeira focou na criação da base conceitual e estrutural, incluindo a identificação e mapeamento de espécies raras e ameaçadas de extinção nas florestas do litoral paranaense. Botânicos especializados foram mobilizados para localizar árvores matrizes e coletar as melhores sementes. A segunda fase abrangeu a criação de estratégias para a produção, distribuição, plantio e registro de todas as mudas em um banco de dados dedicado.
O Ekôa Park, por sua vez, é responsável pela produção das mudas no viveiro “Casa Viveiro,” uma estrutura construída com técnicas de bioconstrução que serve como inspiração para os visitantes. Desde 2018, o parque oferece experiências imersivas na natureza para visitantes, escolas e empresas, atuando na maior área contínua de Mata Atlântica no Brasil, conhecida como Grande Reserva Mata Atlântica, que abrange quase três milhões de hectares nos estados do Paraná, Santa Catarina e São Paulo.
Para monitorar o plantio e o desenvolvimento das mudas, o projeto utiliza, desde 2022, um aplicativo gratuito disponível para iOS e Android. “No momento do plantio, o GPS do telefone registra automaticamente as coordenadas e outras informações, como a espécie da muda e a propriedade onde foi plantada,” explica Sílvia Ziller, fundadora do Instituto Hórus. Essas informações são armazenadas no banco de dados do programa e ajudam a monitorar a sobrevivência e o crescimento das mudas, mesmo em áreas sem sinal de internet, onde os dados são enviados assim que a conexão é restabelecida.
Atualmente, 1.118 mudas já estão cadastradas com coordenadas geográficas e fotografias, e espera-se que até o final de 2024 esse número ultrapasse cinco mil mudas plantadas. “Nos próximos anos, esperamos que essas árvores cresçam, produzam frutos e sementes e contribuam para a expansão e diversificação das florestas que foram exploradas e degradadas no passado,” projeta Sílvia.
Rede de Plantadores
A Rede de Plantadores, que reúne atualmente 126 proprietários de terras no litoral do Paraná, é fundamental para o sucesso do projeto. “O programa não apenas enriquece áreas naturais com essas espécies, mas também gera dados valiosos sobre a biodiversidade da Mata Atlântica,” afirma Tatiana Perim, diretora-executiva do Ekôa Park.
Segundo Sílvia Ziller, o objetivo não é produzir um grande volume de mudas, mas cultivar mudas de alta qualidade para expandir a Rede de Plantadores e disseminar as espécies na paisagem. “Não adianta produzir milhares de mudas sem ter onde plantá-las. Buscamos respeitar o padrão natural de distribuição das espécies na natureza, além de considerar fatores genéticos importantes em todos os processos,” explica ela.
Desafios
Marcelo Leandro Brotto, engenheiro florestal envolvido na coleta de sementes, destaca os desafios do programa: “As espécies de maior porte estão geralmente em áreas mais conservadas, mais afastadas, e algumas não frutificam todos os anos. Quando não há frutos, só podemos voltar no ano seguinte. É um trabalho artesanal que respeita o tempo da natureza,” explica. A coleta de frutos e sementes deve ser feita nas copas das árvores, pois as sementes que caem no solo muitas vezes se deterioram rapidamente.
Victor Paolineti, engenheiro florestal responsável pelo viveiro, comenta que a produção de mudas se tornou mais eficiente ao longo dos anos, graças aos aprendizados acumulados. “Muitas espécies não têm referências na literatura para o processamento de sementes, então é necessária muita experimentação para alcançar um bom índice de germinação,” relata. O projeto também elabora um guia contínuo para a produção de mudas, com base nas experiências do viveiro.
Conscientização Além da Floresta Atlântica
Desde sua criação, o programa tem contado com uma forte rede de parceiros locais, mas também busca ampliar a conscientização internacional sobre a importância da conservação das florestas tropicais. Para isso, a Novo Fogo fez uma parceria com a dupla de música eletrônica SOFI TUKKER para promover o programa globalmente. Parte das vendas da Novo Fogo é revertida para o projeto, e uma campanha de arrecadação de fundos foi realizada em 2023 para apoiar a expansão das atividades.