SOLAR
A que mais cresceno Brasil
Rose Serafim
Eco Nordeste
No Ceará, uma bancária queria climatizar a casa. No interior do mesmo Estado, a gestão da Reserva Natural Serra das Almas precisava levar energia para uma das sedes que não tinha acesso à rede pública de distribuição. No interior da Paraíba, um grupo decidiu se unir para baratear a compra de placas solares e fornecer energia a agricultores e, em Natal (RN), um militar da reserva queria utilizar chuveiro elétrico sem ter que pagar o aumento na conta de luz.
Em todos os casos mencionados, a solução foi encontrada no uso da energia solar fotovoltaica, aquela produzida a partir do calor e da luz do Sol. No modelo, quanto maior a radiação solar nas placas fotovoltaicas, maior será a quantidade de energia elétrica produzida. O modelo é visto como alternativo, “limpo” e renovável. A adesão à energia solar tem crescido exponencialmente no Brasil, nos últimos anos. Contudo, o uso de painéis solares em casas e fazendas solares continua muito aquém da capacidade de geração energética do País.
No mês de setembro, foi atingida a marca de 600 mil sistemas de geração de energia solar instalados no Brasil de acordo com dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Atualmente, a energia solar já representa 2,1% de toda a oferta de energia elétrica no País, percentual que esteve em 1,7% até o ano passado. A potência das unidades geradoras instaladas no Brasil soma atualmente 6,8 gigawatts, o suficiente para atender cerca de 4,5 milhões de residências populares. Isso representa quase metade da potência total instalada em Itaipu, a maior hidroelétrica do País, que é de 14 gigawatts.
Em novembro deste ano, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) informou que a geração de energia solar fotovoltaica registrou pico de 2.715 megawatts (MW) na geração no Nordeste. O número representa 23,1% da demanda atual da região e ainda é um recorde em comparação com o mês de outubro.
Levantamento da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) divulgado em abril de 2020, mostra que o modelo de geração distribuída ultrapassou 5 GW de potência operacional no Brasil e acumula 12,8 bilhões em investimentos desde 2012, em todas as regiões do País.
O Estado com maior capacidade instalada é Minas Gerais, com 456,5 MW de potência até 2020. Na sequência, vêm Rio Grande do Sul, (348,2 MW); São Paulo (297,2 MW); Paraná (214,4 MW); e Mato Grosso (147,9 MW).
O Nordeste aparece na nona colocação nacional com os números do Ceará (83,8 MW). A capital cearense, Fortaleza, desponta como a quarta onde há mais investimentos no setor, operando, até 2020, com 25,3 MW. São mais de 14 mil conexões e 206,3 MW instalados, que beneficiam 18,4 mil consumidores em 98,4% dos 184 municípios cearenses.
O Brasil está na 9ª colocação do ranking anual global, no qual os cinco primeiros são China, Estados Unidos, Vietnã, Japão e Alemanha.
Inclusão social
Além de diversificar a matriz energética do País com um modelo que reduz danos ambientais e a emissão de gases de efeito estufa, a energia solar no modelo residencial pode funcionar como política de inclusão social e combate à pobreza, principalmente na região Nordeste, uma das mais ensolaradas do mundo.
Cálculos da Absolar projetam, para o Brasil de até 2035, um incremento de mais de 672 mil novos empregos nos segmentos de microgeração e minigeração distribuída solar fotovoltaica. A organização ainda prevê a geração de mais de R$13,3 bilhões em benefícios líquidos para todos os consumidores brasileiros, inclusive os mais pobres, por geração distribuída de energia.
O modelo tem capacidade para servir ao combate à pobreza, principalmente no Nordeste, onde o potencial de geração de energia solar é comparado ao do deserto do Saara, por exemplo, explica Heitor Scalambrini Costa, professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
“Vejo como uma realidade concreta para a região nordestina a enorme capacidade da geração distribuída da energia solar. A energia solar fotovoltaica em telhados, fachadas e pequenos terrenos é uma grande impulsionadora de um dos poucos setores que tem crescido, com potencial geração de renda e empregos de qualidade no Brasil”, exemplifica.
“Em vez do sistema que foi adotado no Brasil, de medição líquida, conhecido como Sistema de Compensação de Energia, em que há apenas um balanço, a energia do sistema injeta na rede de distribuição, bastaria que fosse utilizado, por exemplo, o da tarifa premium, adotado em países campeões de geração de energia solar. Isso consiste, basicamente, em permitir que a pessoa, além de gerar a energia que ela precisa para consumir, ela também possa vender o excedente para essa rede. Isso hoje, no Brasil, não é permitido. Na época, a Aneel alegou que precisaria mudar a legislação para isso”, explica.
“Isso poderia permitir o combate à pobreza porque possibilitar a famílias de baixa renda auferirem renda vendendo energia gerada por seus painéis fotovoltaicos”, acrescenta.
Costa pontua, ainda, que a própria redução na tarifa de luz provocada pela adoção do sistema tira a pressão da renda familiar e poderia ser adotada como política pública.
O coordenador lembra que o perfil de residências com painéis solares ainda é de pessoas com melhores condições salariais, mas que tem mudado ao longo dos anos, principalmente com os financiamentos criados.
Banco do Brasil, Banco do Nordeste e, mais recentemente, a Caixa Econômica Federal, todos bancos públicos, disponibilizam ofertas de crédito de até R$ 100 mil para compra de equipamentos e instalação, com prazo para pagar entre cinco e oito anos.
O último relatório trimestral da Solarmap, plataforma analítica do setor de Energia Solar Fotovoltaica do Brasil, lançado em agosto deste ano, analisou a viabilidade econômica de sistemas residenciais de 4 kWp nas capitais brasileiras sob quatro cenários: à vista, antes da Covid-19; financiado, antes da Covid-19; à vista durante a Covid-19; e financiado durante a Covid-19. Demonstrou-se que este é o melhor patamar de viabilidade até hoje, devido às baixas taxas de juros praticadas em março de 2021.
“Além de todas as vantagens diretas obtidas com a tecnologia fotovoltaica, quem gera energia solar conectado à rede de distribuição ainda conta com benefícios fiscais relacionados à tributação da energia consumida, PIS/COFINS e ICMS. Enquanto um deles é garantido em nível federal, o outro está vinculado a leis e decretos de cada Estado. No sistema enquadrado como Geração Distribuída, toda a energia excedente produzida pelo gerador é injetada na rede elétrica e emprestada gratuitamente à distribuidora responsável. Em seguida, a distribuidora compensa o consumidor por essa energia por meio de créditos energéticos, conforme o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE). Esses créditos cedidos ao consumidor são automaticamente utilizados para abater a energia consumida da rede”, diz o documento.
De acordo com o relatório, antes e durante a pandemia, o custo médio para implementação do sistema em residências é de R$ 4,70 por Wp, resultando num investimento total de R$ 18.800. O valor serviu de base para os cálculos das 27 capitais brasileiras.
Em média, antes da pandemia, o tempo de retorno do investimento de sistemas pagos à vista nas capitais do País era 4,71 anos, e de financiados, de 5,59 anos.
Até agora, a capital do Rio de Janeiro tem sido o lugar mais vantajoso para aderir a sistemas de produção distribuída, isso porque a tarifa de eletricidade é a mais alta do País. A tarifa é elevada principalmente pela fatia de “perdas comerciais”, onde a fraude e furto de eletricidade elevam a tarifa para todas as unidades consumidoras da capital. Por isso, o consumidor que instala um sistema fotovoltaico sob a modalidade distribuída deixa de pagar pela eletricidade e também pela fraude e furto.
O Portal Solar disponibiliza um simulador onde é possível calcular o investimento necessário para adesão ao sistema. Numa situação hipotética de residência em Fortaleza com gasto médio mensal de luz de até R$ 180, a estimativa é de que seriam necessários oito módulos de 345W numa área mínima de aproximadamente 14m² para a produção mensal de 243,19 kWp. Segundo a análise, o tempo de retorno do investimento viria em 68 meses, com economia anual de até R$ 2.246,27. O simulador está disponível aqui: https://www.portalsolar.com.br/calculo-solar.
Cooperativas
Em Maturéia, na Paraíba, 25 pessoas criaram, no início de 2021, uma cooperativa para compartilhamento de energia solar. Com a instalação, que segue em andamento, a expectativa é de que outras 25 famílias de agricultores também tenham acesso a partir de doações de placas feitas pelos primeiros.
Além do cuidado com o meio ambiente, a Cooperativa de Compartilhamento de Energia Solar Bem Viver busca um modelo de distribuição mais próximo das reais condições financeiras do povo e menos danoso ao ambiente, “diferentemente dos grandes parques e usinas”, explica Romero Antônio, diretor da Cooperativa.
“Cada cooperado adquire um mínimo de quatro placas, inclusa a de doação, podendo aumentar até certo limite e todas estão localizadas na usina solar. O uso dessa energia é para consumo residencial, em sua maioria”, diz. Segundo Romero, a “Bem Viver”, espera produzir energia a partir de fevereiro próximo.
De acordo com o Brasil de Fato, a cooperativa de geração e distribuição de energia solar é uma modalidade que reúne vários agricultores e agricultoras a fim de compartilhar entre as partes, além do excedente, que pode ser passado em forma de crédito para reduzir os gastos com a conta de luz dos consorciados em outras unidades distantes da unidade geradora.
A Bem Viver faz parte do Projeto Cuidando da Nossa Casa Comum, e tem o intuito de aumentar, de forma considerável, a quantidade de consumo por meio da mini usina que será instalada na área experimental do Centro de Educação Popular e Formação Social (CEPFS), em Matureia.
O exemplo não é único no País, que tem visto crescente adesão da energia solar na zona rural. A proposta foi viabilizada após revisão da Aneel da Resolução Nº 482/2012 por meio da Resolução Nº 687/2015, quando modelos de negócio de compensação de créditos de geração distribuída foram permitidos, incluindo cooperativas.
Um outro exemplo é da Cooperativa dos Cafeicultores em Minas Gerais (Coopercam), que investiu na construção de uma usina de energia solar fotovoltaica para economizar mais de R$ 240 mil por ano com a instalação da planta em uma área de 4.000m², com 192kWp de potência e expectativa de produção média mensal de 23.000kWh de energia. As informações são do Portal Solar Inove.
Para formação de uma cooperativa de energia solar, é necessário a adesão de, pelo menos, 20 voluntários que tenham interesse na geração da própria energia e no compartilhamento desta na área de concessão da distribuidora ou permissionária, em forma de créditos em kWh na conta de luz, entre os cooperados e em percentuais previamente estipulados e aprovados por todos.
Segundo o portal, excepcionalmente, é permitida a admissão de pessoas jurídicas em uma cooperativa (pessoas físicas), desde que possua o mesmo interesse ou a ele correlato ou, ainda, que seja sem fins lucrativos, conforme disposto na Lei Nº 5.764/71, artigos 24, parágrafo 2º e artigo 29, parágrafo 3º.
Rose Serafim
Eco Nordeste
A economia na conta de energia elétrica tem sido o principal fator impulsionador do investimento de pessoas físicas e jurídicas em sistemas para produção de energia fotovoltaica
Vantagens residenciais
O empresário Lucas Mendes Nonato é proprietário da Pop Energy, que vende equipamentos para produção de energia fotovoltaica. Ele conta que já atua na área desde 2017 e que atende desde projetos residenciais pequenos a usinas. Ele explica que varia entre casas de pequeno porte, por R$ 7 mil; a projetos residenciais maiores, de até R$ 50 mil.
O retorno do investimento em energia solar vem pela economia na conta da concessionária, explica Mendes. “Nós atendemos desde o micro empresário, que está buscando um pouco mais de economia para o seu negócio, ao aposentado que já está em casa, querendo maior conforto atrelado à economia, devido, por exemplo, às altas tarifas de energia, que o impedem de ligar um ar-condicionado. Hoje, nós conseguimos trazer um retorno da energia solar a curto prazo. Dependendo da forma como vai ser pago, o investimento não mexe muito na renda familiar e o custo que já existe com a energia”, completa.
O empresário afirma que o perfil da clientela varia, e vai desde famílias de bairros periféricos a bairros mais nobres: “A gente tem do aposentado, que ganha um salário mínimo e que conseguimos facilitar para que ele consiga o empréstimo, ao empresário que tem um bom lucro”.
A bancária Bruna Berto é uma das clientes de Lucas. Ela adquiriu o kit há pouco mais de um ano. Comprou à vista a partir de um empréstimo consignado. “O retorno esperado existe sim. Energia solar é perfeita, perfeita, perfeita”, enfatiza. E completa: “Nós conseguimos climatizar a casa inteira, com dois quartos, sala e cozinha. Temos três aparelhos de ar-condicionado. Eu consigo passar o dia inteiro em casa com o meu ar-condicionado de 12 mil BTUS ligado. Recebemos visita e ficamos com os três aparelhos da casa ligados e, mesmo assim, a nossa energia não consegue bater o que a gente comprou de quilowatts, pois projetamos 450 kwz”, destaca Berto, que informa ainda estar pagando pelo projeto.
O excedente energético produzido pelo sistema fica armazenado por até cinco anos, e acaba servindo durante os períodos de chuvas. “Você consegue pagar menos e ter qualidade de vida, pois é uma energia que você está produzindo”, salienta.
A criação dos “prossumidores”
Gerar a própria energia elétrica só foi possível no Brasil, legalmente, a partir de abril de 2012, quando a Aneel promulgou a sua Resolução Normativa Nº 482 com as regras do segmento de geração distribuída. A partir da RN, qualquer pessoa física (CPF) ou jurídica (CNPJ) pode instalar um micro ou minigerador próprio para produção da energia que consome.
O modelo de geração distribuída, como o termo sugere, é a geração de energia descentralizada, feita a partir de sistemas geradores que ficam próximos ou até mesmo na própria unidade consumidora (como uma residência) e que são ligados à rede elétrica pública. Neste caso, quem adota o sistema passa a ser chamado de “prossumidor”.
Essa modalidade difere da tradicional geração centralizada, na qual grandes usinas produzem a energia e a enviam aos consumidores por meio das linhas e redes de transmissão. Nas regras, a Agência classifica tamanhos de potência entre microgeração (inferior ou igual a 75kW) e minigeração (superior a 75 kW e menor ou igual a 5 MW).
O grande marco da RN 482 é o Sistema de Compensação de Energia Elétrica. A partir dele, toda energia excedente gerada pelo sistema solar do consumidor é injetada na rede e concedida à distribuidora como empréstimo.
Esse excedente volta para o consumidor na forma de créditos energéticos, os quais são utilizados para compensar aquela energia que foi consumida da distribuidora em momentos de pouca ou nenhuma geração do sistema, como no turno da noite, por exemplo.
O esquema funciona como uma “troca” entre a energia do gerador e a energia da rede. Esses créditos têm ainda validade de uso de 60 meses, e podem ser armazenados para serem utilizados no futuro, quando a geração solar for menor e a quantidade de créditos gerados for inferior à quantidade de energia consumida.
As regras também definem que todo consumidor com um sistema instalado ainda deve pagar pela taxa mínima de uso e disponibilidade da rede elétrica pública.
Em 2015, a regulamentação foi revista com a Resolução Normativa Nº 687. Nela, as principais mudanças dizem respeito à criação de três novas modalidades de geração distribuída, segundo informações do blog Blue Sol:
- Empreendimento Com Múltiplas Unidades Consumidoras – quando moradores de um mesmo condomínio se unem para a instalação de um sistema central, que irá gerar energia para cada um dos participantes, como também para alimentar áreas de uso comum
- Geração compartilhada – Também permite a junção de dois ou mais consumidores para a instalação de um sistema gerador. Neste caso, os consumidores podem ser tanto pessoas físicas (CPF) como jurídicas (CNPJ), unindo-se por meio de cooperativa ou consórcio e não precisam residir dentro de um mesmo empreendimento
- Autoconsumo remoto – Permite ao consumidor (CPF ou CNPJ), como o nome sugere, gerar a sua energia de forma remota, fora do local (ou locais) onde irá consumi-la
Atende bem áreas remotas
Distante 35 quilômetros da sede do município de Crateús, no Sertão do Ceará, a sede da Reserva Natural Serra das Almas (RNSA) já utiliza energia fotovoltaica há mais de 20 anos. Isso porque a unidade não tem energia convencional. Em outro ponto da reserva, no colégio Samuel Johnson, onde há o Centro de Difusão Ambiental, havia conexão com a rede elétrica, mas com consumo considerável de energia. Dessa forma, a organização decidiu aderir a um sistema mais robusto, que possibilita a produção da energia dentro da reserva.
Desde março deste ano, a Associação Caatinga, organização mantenedora da reserva, utiliza mais 16 painéis instalados no Centro Ecológico Samuel Johnson, em dois sistemas: o on-grid e o off-grid. O primeiro capta a luz solar e a transforma em energia que será inserida na rede pública. Com isso, a carga produzida é convertida em créditos que podem ser deduzidos da conta de energia mensal.
Já o sistema off-grid independe da rede de distribuição energética pública, com placas solares ligadas a cabos que levam a eletricidade produzida para baterias ligadas a alguma estrutura. O modelo se adequa idealmente a regiões remotas e sem acesso à rede pública elétrica, como é o caso da RNSA.
“O equipamento custou R$ 20.800, é conectado à rede da Enel e tem 5.28 kilowatts de potência, pensada para atender a necessidade de três estruturas: o Centro Ecológico Samuel Johnson, o escritório de Crateús e o de Fortaleza. O retorno do investimento é esperado em cinco anos e nós escolhemos [o modelo] também por se tratar de uma energia limpa”, explica Gilson Miranda coordenador de Conservação e responsável pela RPPN Reserva Natural Serra das Almas.
Faltam políticas públicas
A produção de energia solar, principalmente no Nordeste, ainda se encontra muito aquém da capacidade real de geração energética. E, deixar de favorecer um uso massivo da energia solar, principalmente no Nordeste, é uma decisão política, argumenta o professor aposentado da UFPE Heitor Scalambrini Costa: “Seria essencial que políticas públicas fossem implementadas, e que realmente incentivassem o uso massivo da Geração Distribuída (GD) da energia solar fotovoltaica para instalações residenciais, pequenos comércios, pequenas indústrias e em áreas rurais”.
Ele explica que a GD hoje contribui aproximadamente com menos de 5% da potência total instalada no País (pouco mais de 180 GW), muito aquém do grande potencial disponível, em particular na região Nordeste, uma das mais ensolaradas do mundo.
“Poderia ao menos se esperar que em curto espaço de tempo a potência instalada passasse para 20%- 25% sua contribuição à matriz elétrica”, diz o professor, que também faz uma crítica à priorização de usinas solares em detrimento do modelo distribuído.
“Por outro lado, temos a produção industrial de energia elétrica, com as grandes usinas fotovoltaicas, que concentram milhares de placas solares e produzem a energia de forma centralizada. Esta produção tem acarretado vários problemas e impactos socioambientais que merecem uma discussão mais aprofundada de sua forma de implantação, que não atende às boas práticas socioambientais e contrariam a necessidade de redução do desmatamento e da preservação e proteção do bioma Caatinga”, afirma.
Atualmente, as três maiores usinas fotovoltaicas do Brasil fazem parte do Conjunto Solar São Gonçalo, localizado no Piauí. O parque dispõe de mais de 2.2 milhões de painéis solares e ocupa uma área equivalente a 1,5 mil estádios de futebol. Em segundo lugar, vem o Complexo Solar Pirapora, em Minas Gerais. O projeto ocupa uma área de 800 hectares. Na Bahia fica o terceiro maior empreendimento, o complexo fotovoltaico Sol do Sertão, construído num terreno de 700 hectares.
Marco Legal da geração distribuída
A legislação ainda deve passar por alterações em breve, já que tramita no Senado Federal o Projeto de Lei Nº 5.829/2019. De autoria do deputado federal Silas Câmara (Republicanos), o PL acrescenta pontos sobre o consumo de energia solar ao artigo 26 da Lei Nº 9.427/1996, que instituiu a Aneel.
Caso aprovado, o artigo 26 passaria a ter os seguintes pontos:
- 1º- D – Os microgeradores, com potência instalada menor ou igual a 75 kW (setenta e cinco quilowatts) e os minigeradores, com potência instalada superior a 75 kW (setenta e cinco quilowatts) e menor ou igual a 3.000 kW (três mil quilowatts), terão 50% (cinquenta por cento) de redução nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição e nos encargos, incidindo nas unidades consumidoras nas quais a energia excedente será compensada.
- 1º- E – Para os microgeradores e minigeradores de que trata o § 1º-D que solicitaram acesso às distribuidoras de energia, conforme regulamentação da ANEEL, até o dia 31 de março de 2020, terão redução de 100 % (cem por cento) de desconto nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição e nos encargos, incidindo nas unidades consumidoras nas quais a energia excedente será compensada, até 31 de dezembro de 2040, não se aplicando a redução dos custos de disponibilidade ou de demanda contratada.
Na prática, a medida representa uma forma de reduzir custos para os prossumidores e, com isso, democratizar a energia solar no País.
Um artigo conjunto de Jonas Becker, diretor-presidente da ECO Soluções em Energia e coordenador estadual da Absolar no Ceará; Rodrigo Sauaia e Ronaldo Koloszuk, respectivamente, CEO e presidente do Conselho de Administração da Absolar, explica que a aprovação do marco pode trazer mais de R$ 139 bilhões em investimentos e gerar mais de um milhão de novos empregos no Brasil nos próximos anos.
“Ele [o PL] cria um arcabouço legal para a modalidade, trazendo segurança jurídica e garantindo, em Lei, o direito do consumidor de gerar e consumir a própria energia a partir de fontes limpas e renováveis. Isso contribui para reduzir os custos da conta de luz dos consumidores, diminuindo o uso das termelétricas fósseis e as perdas elétricas do sistema, entre diversos outros benefícios”, diz o texto.
Não existe energia limpa
O professor Scalambrini destaca que adjetivar qualquer modelo de geração de energia de “limpo”, além de ser uma afirmação mentirosa, pode ser uma forma de dar “livre acesso” ao setor. “Verdadeira falácia afirmar que existe energia limpa. Não existe energia limpa”, enfatiza.
“Existem sim as sujas (petróleo e seus derivados, gás natural e carvão mineral, além dos minérios radioativos); menos sujas (fontes renováveis de energia como o Sol, vento, a biomassa), que podem se tornar sujas, caso não atendam às boas práticas socioambientais na implantação de projetos centralizados de geração solar, as chamadas usinas solares”, acrescenta.
Os impactos socioambientais começam na fabricação dos painéis fotovoltaicos, que são de silício. A extração desse material implica na degradação do meio físico, poluição da água pela atividade de mineração, emissão de pó sílica, dentre outros problemas.
Já a instalação de usinas, que implica no uso de grandes áreas, leva à perda de habitat natural para os animais, de vegetação e ainda à especulação imobiliária para as populações que residem próximo aos empreendimentos.
Em agosto do ano passado, moradores do Assentamento Antônio Conselheiro I, em Taracatu, Pernambuco, protestaram contra a Enel Green Power, que implantou no local o primeiro parque de energia híbrida (solar e eólica) do País.
Segundo informações do Brasil de Fato, na época, 300 famílias de seis agrovilas reclamavam a falta de geração de empregos para os moradores e de indenizações pelos impactos causados pela implantação da rede de alta tensão, que estava sendo ampliada pela empresa.
“Estamos reivindicando um projeto produtivo da comunidade como uma compensação pelo que a empresa vai gerar e já vem gerando desde 2015 pelas implantações de placas de energia solar e torres de energia”, afirmou, à época, o agricultor Auricélio Souza Nunes, representante da Agrovila Carlos Marighella.
Negociação entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a empresa Enel Brasil resultou na promessa de instalação mini usinas nas comunidades, com capacidade de até 2.500 quilowatts por mês. Segundo informações publicadas pelo órgão governamental, a ideia é possibilitar que os agricultores possam irrigar as lavouras ao custo de energia reduzido.
Scalambrini explica que, em áreas de clima Semiárido, o principal impacto diz respeito ao desmatamento do bioma Caatinga para a instalação das centenas e milhares de placas solares em áreas contínuas.
“O uso da terra exclusivamente para a geração de energia elétrica poderia ser evitado associando, na mesma área, produção de energia e plantação de produtos alimentares. Tecnologia existe e está disponível, chamada de ‘agrofotovoltaico’”, diz.
“Moradores que muitas vezes tiram seu sustento da pequena propriedade, estão abandonando seus territórios. Logo, o que devia ser para melhorar as condições de vida destas populações, acaba se tornando uma ameaça ao modo de vida dos que escolhem viver nas áreas rurais”, complementa.
“O problema, nesse caso, não é a fonte, mas como ela está sendo implementada”, diz Joilson. Segundo o engenheiro eletricista, a geração local é que a tem menos impacto socioambiental, pois utiliza, normalmente, o teto das casas, uma área em desuso, não destrói habitat de animais nem vegetação, e não provoca conflitos fundiários.
“As vantagens são essas: você está utilizando, para gerar energia elétrica, a possibilidade que gera o menor impacto socioambiental, que não viola direitos de comunidades, direitos humanos, não gera conflitos. Sem falar que é a possibilidade que gera, hoje, uma economia considerável na renda mensal das famílias brasileiras”, conclui.
Criatividade
Em Natal, no Rio Grande do Norte, o militar da reserva Marcelo Sales de Araújo, 55, encontrou uma maneira de fugir dessas questões financeiras e socioambientais para conseguir usufruir minimamente dos benefícios de painéis solares.
Ele “criou” uma espécie de painel solar próprio para uso em casa. “Um painel foi todo de pvc, e o outro foi de sucata. Meu pai pegou várias garrafas PET, cortou para caber o cano na parte da tampa e pintou de preto”, explica Daniel Valente, filho de Marcelo.
O rapaz conta que os painéis funcionam para aquecer os chuveiros da casa. São dois equipamentos, instalados em pontos onde não há sombra. Por conta deles, ao longo de quase todo o ano, a água fica quente 24h por dia. Salvo apenas nos dias mais frios. “A economia com chuveiro elétrico fez o retorno ser mais do que o esperado”, afirma Daniel, que explica economizar até R$ 80 na conta de luz.