Em tempo de coronavírus, consuma com melhor impacto

Consumo Consciente durante a pandemia

Por Bruna Tiussu, do Instituto Akatu

Calamidades fazem parte da história da humanidade desde sempre e representam uma oportunidade para se repensar nosso estilo de vida ou aspectos específicos dele. Foi assim, por exemplo, na crise hídrica vivida pelo Estado de São Paulo entre 2014 e 2016, que levou a uma mudança de comportamentos no consumo de água, alguns se transformando até em hábitos para poupar este recurso.

Então, que tal considerarmos a pandemia do coronavírus como mais uma oportunidade de reflexão sobre o nosso consumo? É hora de tirar proveito da nossa própria fragilidade exposta pela crise e adotar hábitos que gerem um impacto mais positivo (ou menos negativo) nas pessoas, na economia e no planeta.

Autoridades como a OMS (Organização Mundial da Saúde) e o Ministério da Saúde têm alertado: a pandemia só não será mais grave se cada um cuidar de si mesmo, evitando se expor ao vírus. É assim que preservamos a nossa saúde e a dos outros, sobretudo a dos mais vulneráveis, como é o caso de pessoas fragilizadas por doenças ou idosos.

Este é o primeiro elemento de reflexão que a crise traz: precisamos pensar coletivamente, partindo de si próprio, é verdade, mas também considerando os outros. Não fosse assim, todos seriam tão irresponsáveis quanto infelizmente foi o Presidente da República ao desprezar publicamente a importância do isolamento. Não fosse pela consideração ao coletivo, as pessoas abaixo de 60 anos sairiam às ruas. Mas não o fazem.

O pensar coletivamente traz oportunidades de reflexão que vão na direção do consumo consciente, para a busca de escolhas com o melhor impacto possível para si próprio, os outros e o meio ambiente.

Em tempos de crise, a pergunta “por que comprar?” se faz extremamente importante. Precisamos de álcool gel, máscaras de proteção e mantimentos para o período de isolamento social? Sim. Nós e todo o resto da população. Mais uma vez, cabe a reflexão sobre o conjunto da sociedade, pois a necessidade por alguns itens de consumo é coletiva. Não se deve, portanto, comprar “para estoque”, dado que o estoque na casa de uns, significará a falta na casa de muitos.

Refletir sobre a quantidade de itens necessários e levar para casa a quantidade que será efetivamente usada em um período curto de tempo é uma forma de consumir com melhor impacto.

Outra maneira de contribuir com o próximo e também com a economia neste período de isolamento social é privilegiar estabelecimentos ou produtores de micro, pequeno e médio porte toda vez que você precisar comprar produtos básicos.

Os motivos para esta preferência são: essas empresas têm maior dificuldade de se financiar em um momento de queda de demanda ou de fechamento do comércio; elas são em grande número; e geram uma enormidade de empregos. Você pode fazer sua parte mantendo junto a elas as compras que tradicionalmente já fazia.

Ao manter a prática de compras em micro, pequenas e médias empresas, seu consumo ajuda a assegurar empregos e a economia funcionando, caracterizando-se como um consumo com melhor impacto.

Quer conhecer outra forma de ajudar? Mantenha certa regularidade nas compras de refeições de restaurantes, especialmente aqueles que não fazem parte de uma rede. A partir do momento que você compra deles usando seus sistemas de delivery, contribui para a sua sobrevivência.

A solidariedade deve ser mais contagiosa que o coronavírus. Aproveite a ida até o pequeno mercado/loja que você já frequenta e faça compras também para seus vizinhos, amigos ou familiares, de modo a evitar a saída sobretudo dos mais idosos e das pessoas vulneráveis ao vírus.

E, sempre que possível, ao invés de se deslocar até esse mercado ou loja, entre em contato com o local, faça sua encomenda e providencie a sua entrega — por meio do próprio sistema do local ou de algum aplicativo. Muitas são as possibilidades de entregas a domicílio que, neste período de crise, traz benefícios para todos os envolvidos.

Algumas pesquisas indicam que o coronavírus sobrevive até três dias em diferentes tipos de superfície, portanto, como mais uma ação de prevenção, crie o hábito de lavar suas sacolas retornáveis, as ecobags, depois de cada uso.​

Se por acaso você sair para fazer compras e utilizar sacolinhas plásticas, ao chegar em casa lave-as também. Os estudos mostram que o vírus pode sobreviver também neste material.

Uma coisa é trabalhar por um propósito, e não apenas pelo lucro, em tempos normais. Outra coisa é se ater a isso quando o mundo está à beira de um colapso econômico. A crise do coronavírus também nos permite perceber quais empresas estão indo além do discurso e de fato agindo em prol de todos os seus stakeholders — empregados, clientes, fornecedores, comunidades locais e sociedade em geral.

O Facebook, por exemplo, criou um programa de subsídios de US$ 100 milhões para apoiar pequenas empresas atingidas pela crise do coronavírus. A Amazon está priorizando a estocagem de produtos básicos e de suprimentos médicos de forma a entregá-los aos clientes rapidamente. Para isso ser viável, a empresa precisa deixar de estocar grandes volumes de outros itens — o que deve ser feito em acordo com outros fornecedores, para não prejudicá-los mais que o necessário.

Espera-se que tais ações se multipliquem em número e valor principalmente em setores, como é o caso do bancário, que auferiram enormes lucros nos últimos anos.

O isolamento social imposto pela pandemia nos convida também a reavaliar as relações de trabalho e o consumo derivado delas. Que tipos de empresas e serviços exigem de fato a presença física de trabalhadores e quais podem existir com seus colaboradores atuando  de forma remota?

Muita gente está trabalhando em casa pela primeira vez e descobrindo que isso realmente funciona. Ou melhor, que isso funciona bem, proporcionando comodidade para as pessoas que não têm que se deslocar e podem gastar esse tempo com a família.

Acompanhamos ainda a substituição de vários deslocamentos por reuniões virtuais. Há, portanto, menos carros nas ruas e menos aviões nos ares. Isso traz uma significativa redução na poluição e na emissão de gases de efeito estufa derivadas do transporte, que contribuem para a saúde de todos e para o combate à Crise Climática — sobretudo se considerado o conjunto de deslocamentos evitados durante um longo período de tempo.

Diante de tantos benefícios, é bom já ir pensando no momento em que a crise do coronavírus passar. Será possível manter esse mesmo sistema de trabalho ou ao menos parte dele?

O que estamos vivendo hoje certamente trará inspiração para a adoção de novos estilos de vida ou hábitos mais saudáveis e sustentáveis, pois já notamos alguns benefícios agora, durante a pandemia do vírus. Sabemos que a mudança de hábito é um processo de longo prazo, mas situações de crise, que envolvem emoções mais intensas, podem funcionar como catalisadores para mudanças futuras.

Confira alguns exemplos de novos comportamentos já provocados pelo coronavírus e que alteram profundamente os estilos de vida, de forma a reduzir seus impactos negativos:

  • Na China, onde o surto parece já ter sido controlado, as pessoas estão mais atentas aos produtos de origem animal, indo atrás de informações sobre a cadeia produtiva dos alimentos que compram;
  • Ainda na China, a preocupação com o meio ambiente se tornou tema frequente nas conversas, publicações sobre eco-consciência dispararam nas redes sociais e o número de pesquisas sobre “reverenciar a natureza” teve picos de realizações nos últimos meses;
  • Aqui no Brasil, as diversas campanhas nas redes já dão sinal da sensibilização e mobilização do consumidor para fazer suas compras junto a produtores locais e pequenos e médios restaurantes;
  • No Brasil e em vários outros países, percebemos o aumento da valorização das relações interpessoais. Diante da imposição de um isolamento social, as pessoas se despertaram para a importância de se relacionar com famílias e amigos, de destinar tempo para este tipo de convívio;
  • É evidente também em vários países a grande busca — e as infinitas ofertas — por aulas para cuidar do corpo, física e mentalmente. Até mesmo pessoas que não costumavam dar atenção a este cuidado antes da crise, agora sentem a necessidade de fazê-lo, separam um tempo para isso e buscam desenvolver hábitos nesta direção.

Tais exemplos e fatos levarão a nós, consumidores, a repensar nosso estilo de vida ou aspectos específicos dele para além da crise que estamos vivendo. Ela se apresenta como uma oportunidade para trilhar um novo caminho, em que faremos escolhas mais saudáveis e sustentáveis, avaliando produtos e empresas a partir de uma perspectiva mais consciente, e reconsiderando as prioridades de nossas vidas.

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