Por Malu Nunes*
Em meio à correria e a outros acontecimentos do final do ano, um fato de grande relevância para o nosso futuro, que pode ser referência para políticas públicas dos novos governos estaduais e federal que tomaram posse no Brasil, talvez tenha recebido menos atenção do que deveria.
Na semana do Natal, no encerramento da 15ª Conferência das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (COP15), no Canadá, foi assinado o novo Marco Global da Biodiversidade, que traz 23 metas para interromper a perda de espécies no planeta até 2030.
O acordo histórico surge para fazer frente a um cenário desafiador. Segundo estudo de pesquisadores da Universidade da Califórnia, coordenado pelo biólogo Anthony Barnosky, se a humanidade mantiver o atual ritmo de exploração dos recursos naturais, entre 30% e 50% das espécies poderão desaparecer até meados do século 21. No oceano, por exemplo, estima-se que mais de 90% dos estoques de peixes e grandes mamíferos já foram esgotados.
A perda da biodiversidade significa muito mais que a extinção de plantas e animais. Não que isso já não seja motivo para rever nossas prioridades como sociedade, mas os riscos para a vida humana no curto prazo também tornam-se mais evidentes. Serviços ecossistêmicos como a polinização de culturas agrícolas, a água potável, o ar que respiramos, a proteção contra inundações, o solo produtivo e toda a regulação do clima estão envolvidos nessa equação.
Um dos destaques do acordo firmado no Canadá é a meta de preservar até 30% de áreas terrestres e regiões costeiras e marinhas até o final da década. Atualmente, a proteção alcança 17% do ambiente terrestre e apenas 8% da área marinha global. Outro grande acerto da COP15 é o reconhecimento de que os povos indígenas e tradicionais são guardiões da biodiversidade e também precisam ser mais respeitados e valorizados.
O novo marco global reconhece ainda que não basta proteger somente áreas naturais bem conservadas. A meta é recuperar até 30% dos ecossistemas que estão degradados – tanto terrestres quanto marinhos. Até 2030, essas áreas devem estar restauradas ou com restauração em andamento. Estima-se que, a partir dessa meta, até 1 bilhão de hectares no mundo todo sejam restaurados.
Esse objetivo estratégico pode nos encorajar, inclusive, a direcionar mais investimentos para Soluções Baseadas na Natureza para enfrentar grandes desafios urbanos relacionados também às mudanças climáticas. Sistemas agroflorestais, pagamentos por serviços ecossistêmicos e outras inovações podem fortalecer modelos econômicos que conservem e recuperem nossos recursos naturais.
Contudo, ampliar as áreas protegidas não é o suficiente se continuarmos a estimular atividades danosas para a biodiversidade, que em geral ocorrem fora das áreas protegidas. Estudo publicado em 2022 pela ONG B Team, que reúne líderes empresariais e fundações internacionais, calculou em US$ 1,8 trilhão os subsídios globais a atividades econômicas que contribuem para a degradação de ecossistemas e destruição de espécies, envolvendo principalmente agricultura, pesca, combustíveis fósseis, extrativismo e exploração da água.
Estamos diante de uma oportunidade de redirecionar incentivos para fortalecer setores econômicos que têm impacto positivo para a biodiversidade. Com pesquisa, inovação, soluções integradas, cocriações e desenvolvimento de novos negócios será possível gerar oportunidades de trabalho e renda estimulando uma economia regenerativa. Essa pode ser uma incrível vantagem competitiva do Brasil, país com a mais rica biodiversidade do planeta.
O novo Marco Global da Biodiversidade também incentiva empresas de grande porte e instituições financeiras a avaliar, monitorar e relatar os riscos, dependências e impactos ambientais relacionados com a perda da biodiversidade. O acordo deve encorajar o setor privado a mapear melhor sua relação com a natureza e seus serviços ecossistêmicos necessários para manter suas operações, como o uso da água e outros recursos naturais que são essenciais para suas atividades, ampliando assim a relação de responsabilidade das empresas com o planeta.
Uma nova consciência empresarial é fundamental para fazer frente ao principal desafio do novo marco global: o financiamento. Apesar da importância de novos fundos internacionais para apoiar governos de países em desenvolvimento – outra conquista anunciada no Canadá -, sem o engajamento das empresas e do setor financeiro não será possível mudar o sentido desta história de degradação. Afinal, as empresas devem assumir que a natureza é a base para uma economia forte, capaz de gerar desenvolvimento com segurança e qualidade de vida.
Os biomas, florestas, nascentes, oceano, fauna e flora dependem desta nova consciência. O tempo está passando, mas ainda é tempo de colocar a biodiversidade no patamar de importância que ela tem para o nosso país e para toda a humanidade.
*Malu Nunes é diretora executiva da Fundação Grupo Boticário e membro da Rede de Especialistas em Conservação Natureza.