Fiel ao seu estilo, o secretário-geral da ONU, António Guterres, foi contundente em sua fala na abertura da Assembleia Geral da ONU, na terça-feira, 20 de setembro, em Nova York.
Guterres encampou uma demanda das nações vulneráveis à mudança do clima por compensação financeira às perdas e aos danos provocados por eventos climáticos extremos – o que deve ser um dos tópicos mais quentes e complexos da próxima COP27, em novembro, no Egito.
Guterres foi além ao pedir que os países desenvolvidos financiem essa compensação por perdas e danos tributando os lucros da indústria fóssil.
“Hoje, estou pedindo a todas as economias desenvolvidas que tributem os lucros inesperados das empresas de combustíveis fósseis. Esses fundos devem ser redirecionados de duas maneiras: para países que sofram perdas e danos causados pela crise climática e para pessoas que sofrem com o aumento dos preços dos alimentos e da energia”, disse.
Demanda antiga (e negligenciada)
A demanda por compensação por perdas e danos é antiga nas negociações climáticas, mas sempre ficou para trás na lista de prioridades, especialmente pela oposição dos países desenvolvidos. Entretanto, a intensificação de eventos climáticos extremos, como as inundações históricas no Paquistão, deve aumentar a pressão dos países vulneráveis por algum avanço político nesta pauta durante a COP27.
O primeiro reflexo desta pressão já foi sentido: o governo da Dinamarca anunciou a doação de US$ 13 milhões para compensar os países vulneráveis por perdas e danos, o que a torna pioneira entre as nações desenvolvidas.
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Injustiça climática
Em comunicado, o ministro dinamarquês do desenvolvimento, Flemming Moller Mortensen, ressaltou que “é extremamente injusto que os mais pobres do mundo sofram mais com as consequências das mudanças climáticas, para as quais eles menos contribuíram”.
Noves fora o pioneirismo, o valor doado é quase simbólico: só no caso do Paquistão, a estimativa é que a reconstrução do país após as enchentes custe mais de US$ 10 bilhões.
Reunião privada
Nesta quarta (21), Guterres, participou de uma reunião privada com chefes de Estado e Governo. Na ocasião, ele lembrou os líderes mundiais que a meta climática de limitação do aquecimento global a 1,5º C está “respirando por aparelhos” e pediu comprometimento para frear a crise climática.
Ele pediu que o valor destinado ao apoio e adaptação climática dobre para 40 bilhões de dólares por ano até 2025 como forma de socorrer imediatamente as nações que já estão sofrendo com os impactos de eventos climáticos extremos, como é o caso do Paquistão.
Recursos para adaptação
Enquanto isso, líderes de três pequenas nações insulares do Pacífico aproveitaram a Assembleia Geral da ONU para lançar uma iniciativa para angariar recursos e apoio para adaptação climática.
Batizada de “Rising Nations”, a proposta foi anunciada pelo primeiro-ministro de Tuvalu, Kausea Natano, e pelo presidente das Ilhas Marshall, David Kabua, e conta com o apoio de países como Alemanha, Canadá e Estados Unidos, além da participação de Kiribati.
“Não estamos investindo o suficiente na adaptação que salva vidas, principalmente em pequenos estados insulares”, lamentou Kabua em seu discurso na ONU.
Diálogo EUA-China
As desavenças políticas entre China e Estados Unidos seguem dificultando a retomada do diálogo bilateral na agenda climática. Ainda assim, para o enviado especial da Casa Branca para o clima, John Kerry, existe espaço para que os dois lados voltem à mesa de negociação e atuem conjuntamente na próxima Conferência da ONU sobre o Clima (COP27), em novembro.
Participando de um evento em Nova York, no âmbito da Assembleia Geral da ONU, Kerry demonstrou esperança no diálogo com o governo chinês antes da abertura da COP: “Eu realmente espero que a China decida em algum momento nos próximos dias que vale a pena voltar a isso [cooperação], porque devemos isso à humanidade”.
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Menos otimismo
Em compensação, o tom de Kerry e de outro nome importante dos EUA na agenda climática, o do ex-vice-presidente Al Gore, sobre a atuação do Banco Mundial nesse tema foi menos otimista. Os dois demonstraram insatisfação com a gestão de David Malpass, indicado pelo ex-presidente Donald Trump em 2019 para o comando da instituição, por sua política de financiamento que segue privilegiando projetos envolvendo combustíveis fósseis.
Enquanto Kerry disse que as instituições financeiras internacionais precisam “mudar” para apoiar a transição energética, Gore foi mais direto e chamou Malpass de “negacionista da crise climática”.
A Bloomberg destacou o “cano” dado pelo presidente dos EUA, Joe Biden, em um encontro na sede da ONU em NY para discutir ação climática. Enquanto a Casa Branca tenta diminuir o desconforto, negociadores e observadores temem que a ausência de Biden colabore para esvaziar o debate de alto nível sobre clima na véspera da COP27.
(Via ClimaInfo e agências internacionais)