Pequenos negócios, sustentabilidade e marketing: você anda contando para o mercado o que sua empresa faz?
Pare e reflita por alguns segundos: você se recorda quantos produtos, serviços e marcas você interagiu hoje? E quantos “lançamentos” você viu na última semana? Todos os dias milhares de novidades são lançadas no mercado, levando mais e mais consumidores à compra.
Ao mesmo tempo em que o ritmo de consumo é ampliado, um novo tipo de cliente vem na contramão. Exigente e com comportamentos mais conscientes em relação ao impacto de suas atividades no mercado, meio ambiente e sociedade. Sim, ele mesmo: o consumidor consciente. Ele está em busca de soluções para satisfazer suas necessidades e desejos, mas de forma responsável, atendendo também o seu anseio de transformar o mundo globalizado num mundo melhor.
O consumidor consciente sabe que pode ser um agente transformador da sociedade por meio do seu ato de consumo, escolhendo empresas que prezam os mesmos valores.
Em mercados mais desenvolvidos, a sustentabilidade não é mais vista como um diferencial pelos consumidores, mas sim como um atributo básico de produto. Isso leva as empresas a adotá-la uma prática essencial para realizar negócios.
Vide o exemplo da Sustainable Apparel Coalition (saC), um grupo de empresas americanas e europeias dos setores de confecções, calçados e têxteis para o lar que visam a produção e consumo sustentáveis. Seus membros representam mais de 30% do market share global das indústrias de confecções e calçados, dentre eles Adidas, C&A, GAP, Levi’s, Macy’s, Puma, Walmart, entre outros.
Tratando-se de um setor onde a maior parte do encadeamento produtivo é pulverizado em micros e pequenas empresas de todo o mundo, buscou-se uma forma de “garantir” que a sustentabilidade fosse aplicável em todo o ciclo de confecção do produto. Assim, todos os integrantes da saC utilizam o Higg Index, um sistema padronizado de avaliação anônima para medir o desempenho social e ambiental das cadeias de fornecedores.
Entre os indicadores exigidos para integrar a cadeia de fornecimento estão:
- Sistema de Gestão Ambiental (equivalente à ISO 14001): identificar e controlar impactos sobre o ambiente, uso eficiente de recursos (água, energia, matérias primas), engajamento com stakeholders;
- Uso de energia e emissões de gases de efeito estufa: fontes de energia utilizadas (fóssil ou renovável), reúso ou cogeração, emissões ao longo do ciclo de vida (produção agrícola, industrial, transportes);
- Uso de água: fontes, estratégias para redução e reúso da água;
- Efluentes: tratamento e qualidade dos efluentes;
- Emissões atmosféricas: plano para redução, monitoramento e mitigação;
- Gestão de resíduos: qualidade e quantidade de resíduos gerados na produção, reciclagem, tratamento, forma de disposição, uso de químicos e plano de substituição por outros processos, entre outros;
- Condições de trabalho: mapeamento de fatores de risco, diversidade, liberdade, treinamentos, controle de jornada e horas extras, combate ao assédio, prevenção de riscos de acidentes, exclusão do trabalho infantil;
- Engajamento, transparência e impactos sobre comunidades: maior compreensão dos impactos e relacionamento das empresas com as comunidades locais.
Hoje, para uma empresa inserir-se na cadeia de valor destas empresas, é preciso atender a estes critérios. Cito a cadeia da indústria têxtil como uma referência, já que é um mercado mais avançado quanto à aplicação da sustentabilidade. Isso porque seus impactos sempre foram grandes e os efeitos ficaram cada vez mais visíveis aos olhos da sociedade. A sustentabilidade veio da necessidade de melhorar a imagem negativa que estava sendo atrelada às empresas do ramo.
Assim como esta cadeia, diversas outras estão exigindo práticas sustentáveis de seus fornecedores para realizar negócios. E isto vale para os consumidores também.
“Tá, e os pequenos negócios?”
Os pequenos negócios enfrentam um novo paradigma: oferecer produtos e serviços lucrativos, que satisfaçam as necessidades de seu público alvo, com novos métodos para reduzir os seus impactos ambientais e promover maior bem-estar social. Seja na relação direta com o cliente ou buscando participar da cadeia produtiva de uma grande empresa, eles encontram desafios e oportunidades, e novas estratégias devem ser formuladas para inserirem-se nesta fatia crescente de mercado.
O relatório “Marketing Verde: consciência de consumo e estratégia sustentável”, elaborado pelo Centro Sebrae de Sustentabilidade em parceria com o Sistema de Inteligência Setorial (SIS Sebrae/SC), levanta os principais pontos a serem desenvolvidos em uma estratégia de marketing para pequenos negócios com práticas sustentáveis.
• PRODUTO: As ofertas de produtos e serviços devem envolver práticas sustentáveis, tais como compras de produtores locais, utilização de materiais recicláveis e reciclados, embalagens retornáveis e ecológicas. A empresa poderá, ainda, incluir elementos da cultura regional como forma de valorização.
• PREÇO: Atributos sustentáveis geram maior valor para a marca, levando muitas empresas a praticar preços mais altos. Dados da eCGlobal Solutions, Mundo do Marketing e eCMetrics apontam que 75% dos consumidores brasileiros estão dispostos a pagar entre 5 e 20% a mais por este tipo de produto.
• PRAÇA / PONTO DE VENDA: A logística reversa é um dos pontos estratégicos a serem trabalhados, estimulando o reúso de materiais e resíduos. Muitos negócios também fazem uso do certificado de origem, calculando impactos no transporte e conduzindo o consumidor a fazer escolhas mais conscientes.
• PROMOÇÃO: A comunicação é considerada a última etapa do processo, quando as ações sustentáveis são apresentadas ao mercado como diferencial competitivo. A coerência entre discurso e realidade é fundamental, ou a empresa poderá cair no greenwashing. Além disso, o cálculo de impactos de cada mídia a ser utilizada também contribuirá para a responsabilidade ambiental.
Embora o termo “marketing verde” possa conduzir a ideia de ações ambientais, é importante lembrar que este tipo de estratégia ressalta também os fatores sociais e econômicos.
Mais do que divulgar produtos ou ações realizadas pelas empresas, o marketing deve incorporar valores de sustentabilidade nos negócios e focar as ações desenvolvidas em cada etapa do ciclo de vida do produto.
“Legal, mas não sei se dá pra colocar em prática na minha empresa…”
Se você acha que o discurso está longe da prática, a Ecoinovação pode ser um caminho prático a ser percorrido, um passo a passo para quem deseja ajustar a empresa para essa nova realidade. É um conceito, com metodologia de implantação, desenvolvido pela ONU Meio Ambiente e que vem sendo aplicado em diversos países.
Ecoinovação é o nome que se dá à estratégia empresarial que tem a sustentabilidade como inspiração para seu modelo de negócios.
A metodologia envolve cinco passos auto aplicáveis, com exercícios que vão levando a um novo desenho de negócio. Como ponto de partida para uma estratégia de ecoinovação, o empreendedor deve considerar toda a cadeia de valor na qual se insere e avaliar quais oportunidades existem ao longo dessa cadeia para produzir e empregar os recursos de forma mais eficiente. Uma verdadeira ação ecoinovadora permite que os ganhos sejam equivalentes para todos os elos da cadeia, incluindo os consumidores (para a metodologia completa, acesse a cartilha).
O importante é manter em mente que uma empresa sustentável deve sempre contar ao mercado o que anda fazendo. Seus esforços são positivos e, quando ecoados, encontrarão outras empresas e consumidores que prezam os mesmos valores.
Bem planejada e executada, a sustentabilidade diminui custos e desperdícios nos processos, fortalece vínculos nas relações comerciais e com a comunidade, torna a empresa mais rentável e fornece ótimos subsídios para que a comunicação construa uma boa imagem institucional, transparente, de ética e confiança.
Jéssica Ferrari é publicitária com especialização e mestrado em Marketing e Comportamento do Consumidor. Engajada com a sustentabilidade empresarial, desenvolve projetos que utilizam o marketing e a comunicação para tornar as empresas mais sustentáveis e inclusivas. Foi analista de Marketing do Centro Sebrae de Sustentabilidade (CSS), em Cuiabá.