Encontrar o material que mais se assemelha à estrutura de um osso, com o menor custo possível, é o desafio que motiva centenas de cientistas a estudarem novas alternativas para o desenvolvimento de enxertos ósseos.
Para reduzir as chances de rejeição do organismo, o produto deve ser resistente, biodegradável e biocompatível, facilitando a formação de vasos sanguíneos e a multiplicação das células. No Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP, pesquisadores produziram um biomaterial que reúne todos esses elementos utilizando uma técnica mais simples, rápida e barata que as disponíveis no mercado.
O material proposto pelos cientistas combina hidroxiapatita (fosfato de cálcio) com uma proteína encontrada no casulo do bicho-da-seda, a fibroína. A mistura possui características químicas e estruturais próximas às dos ossos trabeculares, que são encontrados no interior dos ossos longos e representam cerca de 20% do esqueleto humano.
O diferencial da tecnologia é a forma como ela foi obtida, por meio de uma técnica chamada co-precipitação. No método, a fibroína da seda é dissolvida em uma solução líquida com cálcio, principal componente da hidroxiapatita. Então, amostras de fosfato são adicionadas à mistura e, após algumas reações químicas, o material é seco e prensado em forma de blocos, com a hidroxiapatita já incorporada à fibroína da seda.
Todas essas etapas são realizadas a temperatura ambiente, e levam cerca de 24 horas para formarem alguns blocos. “A metodologia de fabricação é simples, rápida e não utiliza altas temperaturas para sua execução, como acontece nos métodos convencionais, tornando o processo econômico e sustentável. Temos certeza que o custo de produção será menor, ainda mais pela matéria prima que utilizamos, a fibroína de seda é super acessível”, explica Daniela Vieira, autora da pesquisa, que foi realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Bioengenharia, oferecido em conjunto pelo IQSC, Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) e Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP).
Combinação
Diversos trabalhos científicos realizados atualmente estudam a combinação de hidroxiapatita e fibroína de seda, mas em diferentes formatos, como gel e esponjas, que possuem texturas menos resistentes em comparação com os blocos desenvolvidos. Além disso, na maioria das pesquisas são utilizadas técnicas “secas” (reações no estado sólido) de produção, que demandam constante e elevado aquecimento térmico, com temperaturas que alcançam os 1.200 graus Celsius, acarretando aumento no custo final do material, que pode ficar até 25% maior.
Esse procedimento também aumenta o tempo de fabricação do produto, podendo levar aproximadamente quatro dias para que um único bloco seja finalizado. Outra vantagem dos chamados “métodos úmidos”, como o proposto por Daniela, é que eles apresentam melhor controle da morfologia e dos tamanhos das partículas formadas.
Apesar da técnica inovadora, os cientistas se preocuparam em desenvolver um método de produção mais barato que não comprometesse a eficiência do produto final. Nesse sentido, testes iniciais realizados com células de hamster na Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP, em Pirassununga (SP), mostraram que a combinação é promissora.
“Nós concluímos que o material não é tóxico, então ele pode estar em contato com humanos e animais. Também constatamos sua habilidade de formar apatita (o principal mineral dos ossos), que permite que ele seja incorporado ao osso danificado, favorecendo o crescimento de um novo tecido ao redor e entre os poros do material”, afirma Daniela, que foi orientada pelo professor Sérgio A. Yoshioka do IQSC.
O docente revela que o novo biomaterial também já começou a ser testado em camundongos, e os dados preliminares têm mostrado eficácia. O especialista produzirá ainda cerca de 100 blocos para a realização de testes complementares, que deverão ser aplicados futuramente em porcos e bois.
A estimativa é de que o produto esteja disponível no mercado em um ano, para uso veterinário, e em dois, para utilização em humanos. Para agilizar esse processo, foi firmada uma parceria com a iniciativa privada para a finalização e comercialização do enxerto, que ficará por conta da JHS Biomateriais S.A., de Sabará (MG), que financiou parte do trabalho e ofereceu uma bolsa de estudos de três meses para Daniela durante a realização da pesquisa, defendida em seu mestrado na USP. A cientista também foi bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Os bons resultados apresentados pelo biomaterial até o momento também se devem ao fato dele ter demonstrado alto índice de porosidade, com níveis de até 70%. Essa característica permite a distribuição de oxigênio e nutrientes pelo composto, facilitando a integração vascular e a incorporação das células ósseas presentes no local de implantação do enxerto. A expectativa dos cientistas é de que o material ajudará na formação de um novo tecido estimulando a produção celular e, com o tempo, irá se degradar no organismo. Todo esse processo pode durar de 3 a 12 meses, dependendo do paciente e da complexidade do dano sofrido.