Nove ex-ministros do Meio Ambiente divulgaram nesta quinta-feira, 18 de junho, uma carta aberta na qual criticam o atual governo, além de defenderem a democracia e a sustentabilidade.
Entre os temas abordados no texto estão a postura do poder Executivo em relação a pandemia causada pelo novo coronavírus (Covid-19), bem como a polêmica reunião interministerial de 22 de abril, quando o atual chefe da pasta ambiental, Ricardo Salles, sugeriu “passar a boiada” e simplificar o regramento ambiental enquanto, segundo ele, a imprensa está mais focada na cobertura da Covid-19.
Leia o texto na íntegra:
Carta Aberta do Fórum de Ex Ministros do Meio Ambiente do Brasil em Defesa da Democracia & Sustentabilidade:
Vivemos inédito momento histórico de aviltamento e ameaça à democracia consagrada na Constituição de 1988 de parte do próprio poder Executivo por ela constituído.
A omissão, indiferença e ação anticientífica do governo federal transformaram o desafio do Covid-19 na mais grave tragédia epidemiológica da história recente do Brasil, causando danos irreparáveis à vida e saúde de milhões de brasileiros. A tragédia seria ainda maior não fosse a ação de Estados e Municípios, apoiados pelos poderes Legislativo e Judiciário.
A sustentabilidade socioambiental está sendo comprometida de forma irreversível por aqueles que têm o dever constitucional de garanti-la. A destruição dos Biomas brasileiros avança em taxas aceleradas que não se registravam há mais de uma década, com aumentos expressivos de desmatamentos na Amazônia, no Cerrado ena Mata Atlântica, enquanto os órgãos ambientais e s normas federais são sistematicamente desmantelados. Povos indígenas, comunidades quilombolas e populações tradicionais veem crescer de modo exponencial as ameaças aos seus territórios e às suas vidas.
A degradante reunião de 22 de abril passado é o retrato fiel desse desgoverno, com horas dedicadas a ofender e desrespeitar de maneira abjeta os demais poderes do Estado, sem uma palavra de comando para o enfrentamento da crise econômica ou superação da crise “pandêmica”.
A única menção à pandemia, feita pelo ministro do Meio Ambiente, não se destinou a estabelecer conexões entre a agenda da sustentabilidade e os desafios na saúde e na economia, mas, inacreditavelmente, para se aproveitar do sofrimento geral em favor dos nefandos interesses que defende. Na ocasião, confessou de público o que pode caracterizar crime de responsabilidade, por desvio de função e poder, ao revelar o verdadeiro plano em execução por este governo que é “passar a boiada” sobre a legislação socioambiental aproveitando o “momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de COVID”.
Causa indignação e espanto que a proposta não merecesse reprimenda em nome do decoro, nem reparo dos presentes, em defesa da moral e da honra.
Responsáveis durante décadas pela política ambiental desde a redemocratização do país, criamos este Fórum para demonstrar que a polarização e radicalização promovidas pelo governo podem e devem ser respondidas com a união e colaboração entre pessoas de partidos e orientações diferentes fieis aos valores e princípios da Constituição.
Como ex-ministros do Meio ambiente nossa responsabilidade específica se consubstancia na valorização e preservação do meio ambiente e no desenvolvimento sustentável. Aprendemos, porém, pela dura experiência como atual governo, que quando a democracia, a liberdade e a Constituição são ameaçadas e/ou violentadas os primeiros valores sacrificados são os relativos ao meio ambiente e aos direitos humanos.
Sem Democracia forte, não haverá sustentabilidade.
Sem sustentabilidade, não haverá futuro para nenhum povo.
Diante do exposto, solicitamos:
– aos Ministros do Supremo Tribunal Federal que velem pelo cumprimento efetivo dos princípios constitucionais de preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo “essencial” à sadia qualidade de vida assim como pela independência entre os Poderes;
– aos membros do Congresso Nacional para que, sob a coordenação dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, assegurem o controle dos excessos e omissões do Poder Executivo Federal, não permitindo a tramitação e aprovação de Projetos de Lei e Medidas Provisórias que fragilizem ou promovam retrocessos na legislação socioambiental;
– aos Governadores e Prefeitos que, diante da situação criada pela ausência de liderança e ação prejudicial do Presidente da República, sigam firmes no enfrentamento responsável da pandemia usando de todos os recursos disponíveis, garantindo transparência máxima na divulgação dos dados e promovam políticas públicas de conservação ambiental e desenvolvimento sustentável, bloqueando a escalada de destruição de nossos Biomas; e
– ao Procurador Geral da República, que adote as medidas jurídicas cabíveis de forma firme e tempestiva para barrar iniciativas de estímulo à degradação do meio ambiente, promovidas pelo governo federal, assim como cumpra o compromisso constitucional de examinar com imparcialidade e presteza as denúncias de crimes de responsabilidade potencialmente cometidos pelo ministro do Meio Ambiente de acordo com representações protocoladas a esta PGR durante a Semana do Meio Ambiente.
Fazemos um apelo em favor de uma urgente união nacional em defesa da Constituição e da edificação de um Brasil à altura das aspirações do povo brasileiro por uma Nação plenamente Democrática, Plural e Sustentável.
Brasília 10 de junho de 2020.
Respeitosamente,
Carlos Minc
Edson Duarte
Gustavo Krause
José Carlos Carvalho
Izabella Teixeira
Marina Silva
Rubens Ricupero
Sarney Filho
José Goldemberg