Por ClimaInfo
A litigância climática – ação contra empresas e governos que agravam a mudança do clima – se consolida como uma tendência em todo o mundo, e o Brasil, com 40 processos, se destaca atualmente como o quinto país em número de casos, atrás apenas de EUA (1590), Austrália (130), Reino Unido (102), e Alemanha (59) e à frente do Canadá (35).
Embora este tipo de ação esteja concentrada nos países ricos, principalmente nos Estados Unidos, a tendência é de aceleração no chamado Sul Global. Dos 135 processos contabilizados em países pobres e de renda média, 50 foram abertos desde 2020.
Grandes empresas e governos continuam sendo alvo preferencial, mas o setor financeiro e as associações comerciais estão progressivamente entrando na linha de fogo do litígio climático. Shell, Exxon, BnP Paribas, FIFA, Holcim, Rússia e Suécia são algumas das principais corporações e países alvos de ações judiciais abertas no ano passado.
Os dados são do relatório Tendências globais em litígios climáticos: retrato de 2023, publicado nesta quinta-feira, 29 de junho, no Reino Unido. A análise anual é a mais abrangente sobre as tendências de litígio climático em todo o mundo. O mapeamento é liderado pela brasileira Joana Setzer e pela britânica Catherine Higham, ambas pesquisadoras do Instituto Grantham de pesquisa sobre mudança climática e meio ambiente da London School of Economics and Political Science.
Setzer explica que o crescimento da litigância climática no Brasil esteve diretamente ligado ao aumento do desmatamento na Amazônia e ao enfraquecimento da política climática durante o governo de Jair Bolsonaro.
Compromissos questionados
Em todo o mundo, os casos de estelionato verde (greenwashing) cresceram muito em 2022. As ações questionam os compromissos com o clima anunciados por empresas e a veracidade de suas metas de emissões zero líquidas, o Net Zero. Os pesquisadores preveem que os processos se concentrarão cada vez mais em como as soluções climáticas divulgadas estão sendo implementadas na prática.
“O aumento de casos contra atores corporativos destacados neste relatório deve soar o alarme nas salas de reuniões e fazer com que aqueles que não têm planos de negócios robustos alinhados a Paris parem para pensar”, afirma Laura Clark, CEO da ClientEarth.
“Os casos no Sul Global estão aumentando rapidamente. Observando exemplos da África do Sul ou do Brasil, vemos estratégias inovadoras que podem promover uma ação climática mais forte”, analisa Maria Antonia Tigre, pesquisadora sênior em litígio climático do Sabin Center.
Decisões favoráveis
Desde a década de 1980, mais de 2.300 ações judiciais sobre o clima foram movidas em mais de 50 países. Cerca de dois terços desses processos foram registrados desde a assinatura do Acordo de Paris, em 2015. Em 53% dos 547 casos que já tiveram uma decisão provisória ou final, o resultado foi favorável à ação climática.
Atualmente, há mais de 80 casos que questionam a resposta dos governos às mudanças climáticas. Os casos em andamento em órgãos internacionais e regionais, como a Corte Europeia de Direitos Humanos ou a Corte Internacional de Justiça, podem ter grande impacto sobre futuros litígios.
“Em muitos casos, os tribunais já decidiram que a ação climática é um dever legal dos governos”, destaca Lucy Maxwell, co-diretora da Climate Litigation Network. “Nos próximos anos, espero que a implementação dos planos climáticos dos governos e as promessas de net zero sejam cada vez mais examinadas, dentro e fora dos tribunais.”
“As comunidades afetadas pelos impactos devastadores da mudança climática estão começando a resolver o problema com as próprias mãos, exigindo que os grandes poluidores paguem”, afirma Noah Walker-Crawford, consultor de litígio climático da Germanwatch.
Ele lembra um caso emblemático pendente de decisão. “No final deste ano, o Tribunal Superior do Estado em Hamm, na Alemanha, ouvirá provas em um processo movido pelo fazendeiro peruano Saúl Luciano Lliuya contra a gigante alemã de energia RWE sobre o recuo glacial nos Andes. Espera-se que o caso de Saul, como outros processos judiciais que se baseiam na ciência da atribuição, seja um ponto de virada crucial para o litígio climático”, diz o consultor.
Você pode ler o relatório completo aqui.