Novo episódio de branqueamento massivo de corais afeta recifes brasileiros

Os corais do Atlântico Sul são essenciais para a sobrevivência da biodiversidade marinha, comunidades costeiras, do desenvolvimento econômico brasileiro e do enfrentamento das mudanças climáticas
Os corais do Atlântico Sul são essenciais para a sobrevivência da biodiversidade marinha, comunidades costeiras, do desenvolvimento econômico brasileiro e do enfrentamento das mudanças climáticas/Foto: Doug Monteiro / WWF-Brasil

Um comunicado conjunto da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA, na sigla em inglês) e da Iniciativa Internacional para Recifes de Coral (ICRI, na sigla em inglês) publicado na segunda-feira, 15 de abril, alerta que o mundo passa por um novo episódio de branqueamento em massa de corais.

Segundo cientistas, este pode se tornar o pior período de branqueamento já registrado, mais uma tragédia ambiental consequência do superaquecimento do oceano, gerado pela crise climática. O fenômeno chamou muita atenção na Grande Barreira de Corais da Austrália, no entanto, também vem sendo constatado em outros países, inclusive no Brasil.

“É algo semelhante às enormes queimadas que vimos acontecer recentemente no Pantanal, na Amazônia, nos Estados Unidos, na Europa, e que sensibilizaram profundamente a sociedade. Mas nesse caso, está ocorrendo embaixo da água. A maior parte das pessoas não percebe, mas o estrago ecológico e social é o mesmo, se não maior”, alerta Marina Corrêa, analista de Conservação do WWF-Brasil, especialista em corais e oceanos.

Uma em cada quatro espécies marinhas vive, ou passa parte da vida, nos recifes de coral, como peixes, moluscos, algas e crustáceos. Neles estão cerca de 65% dos peixes marinhos. “Quando os corais morrem, toda a biodiversidade que ele abriga e alimenta também se perde”, explica Marina. Isso tem impacto na vida das populações costeiras, que vêm sua fonte de renda e alimentação, relacionada à pesca, diminuir.

Pela sua beleza, os corais são também atrativos para atividades relacionadas ao lazer, turismo e culturas locais. Outra grande contribuição desses ecossistemas é servir como uma barreira natural, protegendo as praias do impacto de ondas, reduzindo consequências da erosão, inundações tempestades e furacões, fenômenos que devem aumentar com a crise climática.

Um estudo realizado pela Fundação Grupo Boticário e Bloom Ocean em 2023 mostrou que os recifes de coral podem dissipar até 97% da energia das ondas. Eles também contribuem com quase 10% do valor de turismo em áreas costeiras no mundo, movimentando, em média, US$ 36 bilhões por ano.

Aquecimento global e branqueamento de corais

A morte dos corais relacionada ao aquecimento dos oceanos ocorre por um processo chamado de branqueamento, causado quando a temperatura da água fica 1°C acima da média a longo prazo. Diante desse estresse térmico, os corais expulsam as algas que vivem em seus tecidos, as zooxantelas, o que leva à perda de suas cores vibrantes, revelando seu esqueleto calcário, que é branco. Por meio da fotossíntese, as zooxantelas garantem nutrientes aos corais. Sem essas algas, eles conseguem sobreviver por algum tempo, mas ficam mais sujeitos a doenças e à morte.

Nos últimos 12 meses a temperatura média da atmosfera terrestre esteve quase 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais. Em fevereiro de 2024 a temperatura da superfície dos oceanos, em todo o mundo, foi a maior já registrada. A média para o mês chegou a 21,06°C, quebrando o recorde de agosto de 2023, de 20,98°C, segundo dados do observatório climático europeu Copernicus.

Junto com o fenômeno El Niño, o aquecimento da terra potencializado pela ação humana está levando a um calor oceânico inédito. “Mesmo limitando o aumento da temperatura global em 1.5°C, o relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) de 2018 mostra que podemos perder entre 70% e 90% dos corais do mundo por causa do branqueamento”, explica Marina Corrêa.

Branqueamento no Brasil

Os únicos recifes de coral do Atlântico Sul se concentram no Nordeste brasileiro, estendendo-se por cerca de 3.000 km ao longo da costa, desde o Maranhão até o sul da Bahia. O Brasil possui 24 espécies de corais duros, sendo que algumas são encontradas somente no país.

Segundo o acompanhamento feito pelo Centro de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste, vinculado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), já foram identificados desde o início deste ano branqueamento de corais nas costas de Pernambuco e Sergipe.

“Este já é o quarto evento de branqueamento em massa global. Em 2019 e 2020 vimos que o Brasil não está imune, com corais de toda a costa brasileira sendo afetados. Agora, em 2024, estamos presenciando mais um evento desta magnitude”, aponta a professora da Universidade Federal de Pernambuco, Beatrice Padovani. Segundo ela, não apenas a frequência das anomalias térmicas no oceano está aumentando, mas também o tempo que elas duram e sua intensidade. “Isso significa que nossos corais estão extremamente ameaçados. Assim como os fenômenos de seca e queimadas, o branqueamento dos corais aponta para o risco de sobrevivência da humanidade frente às mudanças climáticas”, completa.

De acordo com o estudo feito pela Fundação Grupo Boticário e Bloom Ocean em 2023, cerca de 275 milhões de pessoas vivem a até 30 km de recifes de coral que se concentram ao longo da costa brasileira. Estima-se que esses ecossistemas sejam responsáveis por 30 milhões de empregos e que 850 milhões de pessoas dependam e se beneficiem dos serviços deles provenientes.

O valor da proteção costeira de cerca de 170 Km2 de recifes na região Nordeste é de aproximadamente R$ 160 bilhões por ano. “Isto quer dizer que, ao conservar nossos corais, diminuímos a vulnerabilidade da costa em situações de eventos climáticos, como tempestades, furacões etc. Dessa forma economizamos R$ 941 milhões por Km2 em perdas materiais e imateriais”, explica a analista de Conservação.

Já o turismo em recifes de coral na costa do Nordeste pode gerar mais de R$ 7 bilhões por ano. “Ou seja, investir na conservação e restauração dos nossos corais é um ótimo negócio não apenas social e ambiental, mas econômico. Afinal, esses três segmentos estão totalmente relacionados”, aponta Marina Corrêa.

Soluções

O aquecimento dos oceanos é um fenômeno global e tem sido mais frequente devido às mudanças climáticas. Por isso, Marina Corrêa ressalta a importância de explicitar e enfatizar o assunto em reuniões e tratados internacionais, como o encontro da Cúpula de Líderes do G20 que, neste ano, acontece no Rio de Janeiro.

“Entre os temas prioritários estabelecidos pelo governo brasileiro para o GT de Sustentabilidade e Mudanças Climáticas estão os oceanos. Esperamos sair dali com os países comprometidos em garantir meios de implementação para ações de conservação marinha e costeira como medidas para mitigar a crise climática e promover adaptação. Será crucial que essas medidas sejam incluídas nos seus Planos de Ação perante a Convenção do Clima (Contribuições Nacionalmente Determinadas – NDCs)”, salienta Marina Corrêa.

Já em nível local ela argumenta que é necessário investir na conservação das paisagens em que há recifes de coral, aumentando sua resiliência por meio da diminuição dos impactos cumulativos que afetam sua saúde. “Nesse sentido, o papel do poder público é fundamental para criar políticas e direcionar recursos financeiros que permitam criar uma rede robusta de Unidades de Conservação (UC) e monitoramento, além de promover pesquisas, melhorar o saneamento básico e fortalecer comunidades locais, o turismo e a pesca sustentáveis”, conclui.

Nesse sentido, o WWF-Brasil tem como prioridade ampliar a escala de ações de proteção de espécies ameaçadas de extinção por meio da incidência para a conservação da biodiversidade em políticas públicas.

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