Por Jamie MacDonald-Murray*
O ano de 2021 foi marcado por avanços na energia solar, já que um número recorde de novos projetos foi registrado na Aneel, o órgão regulador do setor elétrico brasileiro. Agora, uma nova legislação de geração distribuída está em andamento e, quando ratificada, irá introduzir a cobrança gradativa do uso das redes de transmissão por meio das Tarifas de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD). A legislação propõe uma transição de 10 anos do modelo atual, com projetos que já estão conectados à rede podendo operar de acordo com as regras existentes até 2045.
Esta revisão continuará a impulsionar uma “corrida do ouro” de novos projetos, à medida que os desenvolvedores se esforçam para vencer as taxas mais altas para que possam oferecer Contratos de Aquisição de Energia (PPAs) mais baratos aos compradores externos durante o maior período de tempo possível.
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Antes das mudanças serem delineadas em setembro de 2020, o pipeline de projetos registrados era de 8,7 GW – somando-se a uma capacidade instalada de geração de energia solar que já havia atingido os 10 GW no verão. Depois que a lei foi proposta, ele mais que dobrou, passando para 18 GW, com a energia solar respondendo pela maior parte da nova capacidade.
Quando os subsídios renováveis são reduzidos ou retirados, não é incomum ver as solicitações de novos projetos também caírem. Esse tem sido o caso no Reino Unido, por exemplo, com sucessivas reduções – e a eventual retirada – do Feed in Tariff (FIT).
No entanto, enquanto esperamos ver a indústria brasileira fazer uma pausa para respirar, o mercado solar continuará sua trajetória de forte crescimento devido aos fatores fundamentais que impulsionam a adoção da energia solar, combinados com a redução do custo dos painéis fotovoltaicos. Além de mais investimentos em parques solares, esperamos ver uma maior aceitação no mercado residencial à medida que os consumidores procuram gerenciar seus crescentes custos de energia doméstica.
Em longo prazo, a nova lei também melhora o ambiente financeiro, o que incentivará o investimento estrangeiro em projetos de energias renováveis, abrindo acesso a um leque mais amplo de opções de financiamento.
A ascensão do ESG
Em 21 de abril, em uma cúpula do clima patrocinada pelos EUA, o Brasil se comprometeu a atingir emissões líquidas de carbono zero até 2050 – uma previsão 10 anos mais cedo do que o planejado anteriormente. Embora haja muito ceticismo bem fundamentado em relação às promessas ambientais e climáticas do presidente Jair Bolsonaro, é importante ressaltar que os líderes de 30 das principais empresas do país sugeriram este compromisso em uma carta aberta ao presidente do Brasil.
As empresas brasileiras estão cada vez mais preocupadas tanto com o meio ambiente quanto com questões mais amplas de reputação, na medida em que as questões ambientais, sociais e de governança (ESG) se tornaram um elemento constante nas agendas dos conselhos de administração.
É claro que o ESG agora está intrinsecamente ligado às finanças e o Brasil não é diferente de qualquer outro país nesse aspecto. E as evidências estão aí para serem vistas. Do dinheiro investido na BlackRock Brasil durante o primeiro trimestre de 2021, mais de um terço foi destinado aos seus fundos ESG negociados em bolsa.
A pressão contínua de indígenas e empresas internacionais está, lenta mas seguramente, forçando o governo do Brasil a agir sobre o clima. E essa mudança de abordagem ajudará a remover uma barreira importante para o investimento internacional na infraestrutura verde do Brasil.
A revolução tecnológica na agricultura
A agricultura é extremamente importante para o Brasil. O setor é responsável por cerca de 1 em cada 10 de todos os empregos, e por mais de 4% do PIB do país. O Brasil é o maior produtor mundial de muitas commodities essenciais, incluindo açúcar, café e suco de laranja.
Há uma revolução acontecendo no mundo da agricultura e envolve o uso de tecnologia – ou “agritech” – para melhorar o rendimento das colheitas, reduzir o uso de produtos químicos nocivos e proteger o solo. A tecnologia está sendo aplicada de várias maneiras. Como por exemplo, o uso de câmeras e drones que podem identificar e remover ervas daninhas sem a necessidade de pulverização em massa de produtos químicos, ou mesmo plantar vagens de sementes do ar.
A análise de dados de satélite pode ajudar a informar exatamente onde – dentro de alguns metros – as safras se beneficiariam com a aplicação de fertilizantes e em que quantidade. Além disso, a previsão do tempo mais precisa, usando estações climáticas locais, permite que os produtores planejem o plantio, a proteção e a colheita para maximizar a produção.
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De acordo com uma pesquisa de 2020 da McKinsey, o crescimento da agricultura digital no Brasil é maior do que nos Estados Unidos, e está aumentando. Os agricultores brasileiros estão adotando a tecnologia para ajudá-los a cultivar e processar alimentos de forma mais lucrativa e sustentável.
Os painéis de energia solar fotovoltaicos são aliados naturais da tecnologia na revolução agrícola sustentável. Os parques solares podem fornecer a tão necessária energia para áreas remotas e fora da rede, permitindo que a planta de processamento, irrigação e equipamentos agrícolas se beneficiem de eletricidade limpa e com preços previsíveis. A expectativa é de que a agricultura seja um dos principais impulsionadores da energia solar fora da rede em 2022.
Alguns produtores, inclusive, estão percebendo os benefícios de combinar culturas solares e alimentares na mesma terra. Esta abordagem maximiza o uso da área e permite o uso de energia solar fotovoltaica para melhorar as condições de cultivo. Por exemplo, em regiões quentes, o painel fotovoltaico pode ser usado para fornecer sombreamento à cultura durante a parte mais quente do dia, ajudando a prevenir a evaporação e reduzindo a necessidade de irrigação. Montados no solo, os painéis também são compatíveis com animais menores de criação livre, como galinhas e ovelhas.
Os ventos da mudança
Historicamente, a abundância de energia hidrelétrica no Brasil garantiu que sua matriz energética fosse de baixa emissão de carbono. No entanto, existem problemas crescentes com o envelhecimento da infraestrutura hidrelétrica e, nos últimos anos, a geração tem sido irregular devido ao efeito da seca nos níveis dos rios.
O desaparecimento da energia hídrica está alimentando o crescimento da energia solar e de outras formas mais sustentáveis de energia renovável. De fato, na última década, a produção de energia eólica do Brasil cresceu 20 vezes e agora fornece quase 10% da eletricidade do país, com 19 GW de capacidade instalada.
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Além de atingir níveis elevados de insolação, que beneficiam a geração solar, no Brasil também venta muito. Durante 2020, o fator de capacidade eólica foi superior a 40% em comparação com uma média global de 35%. E, com 7,4 mil km de costa atlântica, vemos uma oportunidade significativa para o setor eólico offshore do Brasil.
Junto com a energia solar, a energia eólica tem um futuro promissor no Brasil e esperamos ver um forte e contínuo crescimento ao longo de 2022, com o surgimento de novas oportunidades para a tecnologia eólica offshore flutuante.
A oportunidade do hidrogênio
Com uma abundância de energia renovável, o Brasil está bem colocado para lucrar com a economia do hidrogênio. Em 2021 o Ceará anunciou planos para construir uma fábrica de hidrogênio verde de 600 mil toneladas por ano, o que a tornaria a maior do mundo. Além de ajudar a descarbonizar a economia industrial brasileira, o Ceará pretende exportar o hidrogênio que produz.
O hidrogênio também pode desempenhar seu papel na transição energética, fornecendo armazenamento de energia para microrredes, ou seja, sistemas de energia híbrida que compreendem geração e armazenamento renováveis, que fornecem acesso à eletricidade 24 horas por dia, 7 dias por semana.
Microrredes são redes de energia local autossuficientes que podem servir a comunidade de um bairro, campus ou empresas. Elas podem funcionar paralelamente à rede de energia existente ou de forma totalmente independente dela.
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Atualmente, as baterias fornecem a maneira mais simples de armazenar energia. Mas o hidrogênio também está se tornando mais viável para armazenamento de energia à medida que o preço do equipamento especializado cai.
A expectativa é de que projetos brasileiros de infraestrutura de hidrogênio mais significativos sejam anunciados em 2022, atendendo a uma ampla variedade de aplicações.
Um salto econômico verde
Apesar do lamentável histórico ambiental do governo, o Brasil está se tornando cada vez mais bem posicionado para se beneficiar do investimento em sua economia verde ao longo de 2022.
As propostas legislativas mais recentes vão trazer segurança jurídica tanto aos contratos como aos consumidores, que terão os seus direitos garantidos e respeitados. O governo também cancelou as taxas de importação de equipamentos solares fabricados no exterior – uma medida destinada a incentivar o investimento interno.
O desenvolvimento de uma infraestrutura de energia confiável é essencial para que o país sustente uma economia forte. Novas políticas que apoiam o investimento verde criarão empregos em energia limpa e impulsionarão a economia em geral, fornecendo às empresas brasileiras energia confiável de baixo carbono.
Veremos os investidores estrangeiros continuarem apoiando o ressurgimento verde do Brasil durante 2022. Tomar medidas urgentes e cabíveis para deter o desmatamento e a destruição ambiental poderia abrir as comportas para o investimento estrangeiro.
*Jamie MacDonald-Murray é presidente da Lisarb Energy, uma das desenvolvedoras de energia solar e renovável de crescimento mais rápido do Brasil.