Um Manifesto com informações técnicas sobre o perigo de extinção das araras-azuis-de-lear pela instalação do Complexo Eólico de Canudos foi enviado, na segunda semana de outubro, pelos Conselhos de Biologia da 8ª e da 5ª Regiões (CRBio-08 e CRBio-05) para o Governo do Estado da Bahia, Ministério Público Federal, Ministério Público do Estado da Bahia e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade / ICMBio.
Os CRBios-08 e 05, que, juntos, têm jurisdição em todos os estados do Nordeste, apresentaram, no Manifesto, as razões técnicas que justificam a imediata interrupção da obra.
No documento, os biólogos demonstram que o projeto prevê a instalação das torres eólicas em três das cinco áreas de dormitório e reprodução utilizadas pelas araras-azuis-de-lear: a Estação Biológica de Canudos, a Serra Branca (localizada na porção sul da Estação Ecológica do Raso da Catarina) e a Fazenda Barreiras, as mais importantes para a espécie e fundamentais à sua sobrevivência.
Caso as turbinas sejam instaladas nesses pontos, há um alto risco de choque de indivíduos da população de araras-azuis-de-lear com as turbinas eólicas, o que geraria uma diminuição populacional e o consequente desaparecimento da espécie.
Perigo de extinção
A Arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari) é uma espécie classificada como em perigo (EN) de extinção, tanto no âmbito nacional, quanto global, e está no Plano de Ação Nacional para a Conservação das Aves da Caatinga (PAN Aves da Caatinga), ferramenta de conservação adotada pelo ICMBio. É uma ave que existe somente no Raso da Catarina, área da caatinga baiana que fica entre os municípios de Paulo Afonso, Jeremoabo, Canudos e Macururé.
Ações de conservação do governo brasileiro, junto com instituições parceiras, garantiram o aumento da população da espécie, que passou de apenas 170 indivíduos estimados em 1999 para cerca de 1.500 indivíduos na natureza, em estimativa atual.
Como o Complexo está com instalação prevista em área com espécies ameaçadas de extinção e espécies que ocorrem somente naquela região (endemismo restrito), segundo a legislação nacional, não poderia ser considerada uma obra de baixo impacto ambiental
A obra
A empresa francesa Voltalia, operadora de usinas de fontes renováveis, anunciou, em fevereiro de 2021, o início da obra do Complexo Eólico de Canudos, que ofereceria um potencial de 1 GW.
A primeira etapa do Complexo, a usina de Canudos 1, seria composta por 28 turbinas do modelo G132-3,55 MW, totalizando 99,4 MW. Segundo informações da Voltalia, a produção do parque eólico será vendida por meio de um contrato de compra de energia de 20 anos para a concessionária brasileira Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais S.A).
Os CRBios 08 e 05 destacam, contudo, o impacto que essa construção trará para a fauna local. “É inegável a importância estratégica de investimentos em fontes de energia renováveis, conhecidas como energia limpa. No entanto, não se pode desconsiderar os impactos decorrentes de tais empreendimentos, sobretudo quando se chega ao ponto de cogitar o desaparecimento de uma espécie que ocorre exclusivamente na caatinga baiana”, afirma o presidente do CRBio-08, o biólogo César Carqueija.
Equívoco no Licenciamento Ambiental
Como o Complexo está com instalação prevista em área com espécies ameaçadas de extinção e espécies que ocorrem somente naquela região (endemismo restrito), segundo a legislação nacional, não poderia ser considerada uma obra de baixo impacto ambiental, como fez o Inema ao conceder a Licença Ambiental. No Estudo Ambiental para Atividades de Médio Impacto – EMI elaborado pela Voltalia, foram identificadas em campo cinco espécies ameaçadas de extinção, incluindo a arara-azul-de-lear.
Por estas razões, os CRBios-08 e 05 recomendaram ao Governo da Bahia que anule a licença prévia e que avalie alternativas baseadas no Estudo de Impactos Ambientais (EIA/Rima), inclusive com a possibilidade de mudança do local de implantação do Parque Eólico.
O que a empresa diz
Em nota divulgada em julho deste ano, a Voltalia reafirmou que possui todas as licenças necessárias para a fase atual do projeto e que segue rigorosamente a legislação brasileira.
A empresa também ratificou que está à disposição de todos os segmentos da sociedade e informou que a implementação do projeto ocorre de forma transparente e em cooperação com as comunidades locais, além do respeito à biodiversidade e ao Brasil.