Os dados levantados para a sub-região tropical das Américas são ainda mais assustadores: a quase totalidade (94%) das populações das espécies da região estão em franco declínio. O número abrange mamíferos, peixes, pássaros, anfíbios e répteis. Entre os principais vetores dessa destruição estão a conversão da vegetação nativa de florestas, savanas, campos e áreas úmidas, a sobre-exploração de espécies, mudanças climáticas e introdução de espécies invasoras.
Um bom exemplo desse processo é a Mata Atlântica, no Brasil, que perdeu mais de 87% de sua vegetação desde 1500, mais acentuadamente no último século, o que já levou à extinção de pelo menos duas espécies de anfíbios e deixou outras 46 espécies ameaçadas. A infecção pelo fungo quitrídeo, que impacta os anfíbios em todo o mundo, é mais acentuada na Mata Atlântica, por exemplo. Combinada com as mudanças climáticas e alterações no uso do solo, essa doença pode agravar ainda mais o quadro dessas populações nas próximas décadas, segundo o relatório. Mais exemplos de espécies ameaçadas no Brasil estão ao final do texto.
Escolher o lado
Na América Latina, as populações com maior declínio são os répteis, anfíbios e peixes. Cada uma delas enfrenta um conjunto de diferentes ameaças. No caso dos répteis, os fatores são mudanças no uso do solo e excesso de captura. Para peixes de água doce, a sobre-exploração e a fragmentação de habitat por hidrelétricas. No caso dos anfíbios, doenças e perda de habitat são os problemas mais graves.
As perspectivas futuras são pouco animadoras: o relatório Planeta Vivo 2020 inclui iniciativas pioneiras de modelagem que demonstram que, sem mais esforços para neutralizar a perda e degradação de habitat, a biodiversidade global continuará a se reduzir. Ações que acabem com a destruição de habitat naturais e reformem nosso sistema alimentar, com o objetivo de reverter essa tendência até 2030, são urgentes, alerta o estudo.
“O Índice Planeta Vivo é uma das avaliações mais abrangentes da biodiversidade global”, disse o Dr. Andrew Terry, diretor de Conservação da ZSL. “Um declínio médio de 68% nos últimos 50 anos é catastrófico, além de ser um claro exemplo dos danos que a atividade humana vem causando ao mundo natural. Se nada mudar, as populações selvagens sem dúvida continuarão a cair, o que levará à extinção de várias espécies e ameaçará a integridade dos ecossistemas dos quais todos dependemos. No entanto, sabemos que ações de conservação são eficazes e podem reverter processos de extinção. Com comprometimento, investimento e experiência, essas tendências podem ser revertidas”.
COMO RESOLVER
O relatório inclui um artigo fruto de uma parceria entre o WWF e mais de 40 ONGs e instituições acadêmicas e que foi publicado pela revista Nature. Ele mostra que esse cenário de destruição pode ser revertido, mas somente se forem adotados esforços de conservação mais ousados e ambiciosos; e se mudarmos a maneira como produzimos e consumimos alimentos. As mudanças necessárias incluem ações para tornar a produção e o comércio de alimentos mais eficientes e ecologicamente sustentáveis, reduzindo o desperdício e favorecendo dietas mais saudáveis e ecologicamente corretas.
SOBRE O RELATÓRIO
O Relatório Planeta Vivo 2020 apresenta uma visão abrangente do estado de nosso mundo natural por meio do IPV – o Índice Planeta Vivo, elaborado pela Sociedade Zoológica de Londres (ZSL – Zoological Society of London) e que rastreia tendências na abundância global de espécies selvagens. O relatório conta também com contribuições de mais de 125 especialistas de todo o mundo. Ele demonstra que a principal causa do drástico declínio nas populações de espécies terrestres observado no IPV é a perda e degradação de habitat, o que inclui o desmatamento, impulsionado pela forma como a humanidade produz alimentos. O IPV deste ano inclui quase 400 novas espécies e 4.870 novas populações.
EXEMPLOS DE ESPÉCIES AMEAÇADAS NO BRASIL
No Paraná, proteção à Mata Atlântica garante o futuro de espécies ameaçadas
O Paraná concentra a maior taxa de desmatamento em remanescentes de Mata Atlântica na Região Sul do país. Por outro lado, o estado detém a única população de onça-pintada em crescimento no bioma. A resposta para esta aparente contradição está na conservação do Parque Nacional do Iguaçu, maciço florestal de 185 mil hectares que se estende além da fronteira brasileira até a província argentina de Misiones. Criado há mais de 80 anos, o parque abriga as Cataratas do Iguaçu e uma população de onças-pintadas (Panthera onca) que não para de crescer. Em 2009, restavam cerca de 11 onças-pintadas no Parque do Iguaçu. A espécie estava perto da extinção local. Um intenso trabalho de pesquisa, fiscalização e envolvimento das comunidades vizinhas virou esse jogo. As contagens feitas a cada dois anos por meio censos simultâneos no Brasil e na Argentina seguem animadoras. Em 2016, estudiosos encontraram 22 desses felinos no interior do parque. Em 2018, o levantamento indicou um aumento de 27%, e o total subiu para 28 animais. Para este ano, expectativa é de novo crescimento. Desde 2019, já foram identificadas dez novas onças no parque, incluindo três filhotes. A existência do parque garante a sobrevivência das onças-pintadas e prova que manter as áreas naturais conservadas é bom para o futuro das espécies. Se as onças – que são topo da cadeia alimentar – estão se mantendo em Iguaçu é porque toda a teia de vida abaixo delas está em harmonia.
Maior primata da América do Sul, muriqui-do-norte tem chances de sobreviver à extinção
O muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus) é o maior primata sul-americano, chegando a pesar até 15 quilos. Endêmico da Mata Atlântica, sobrevive em fragmentos florestais isolados nos Estados de Minas Gerais, Espirito Santo e Bahia. Mas a vida do muriqui não tem sido nada fácil. A maior parte das florestas originais ocupadas pela espécie foram substituídas por pastagens e lavouras, resultando em perda de habitat e fragmentação de populações. De acordo com a avaliação do risco de extinção das espécies brasileiras, existem apenas 13 populações remanescentes, isoladas principalmente unidades de conservação. Estima-se que apenas quatro delas possam comportar populações viáveis para o futuro desses animais: o Parque Nacional do Caparaó, o Parque Estadual do Rio Doce, Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, além de uma reserva particular. As demais populações são pequenas e tendem a desaparecer, como já ocorreu. Essa situação fez com que a o muriqui-do-norte entrasse para a lista brasileira de espécies ameaçadas de extinção como Criticamente em Perigo. A esperança dos cientistas é que, apesar das dificuldades impostas pelo homem, a espécie é capaz de colonizar florestas secundárias próximas a áreas atualmente ocupadas pelas atuais populações que restaram, indicando que essa tendência de declínio pode ser interrompida – e até revertida. Mas são necessários esforços bem planejados de restauração, direcionados à reconexão e ampliação do habitat da espécie. O futuro do muriqui-do-norte depende do que fizermos agora.
Perda de habitat, caça ilegal e fogo empurram o veado-campeiro para a extinção
O veado-campeiro (Ozotoceros bezoarticus) é uma espécie típica das formações naturais campestres no Cerrado e sul do Brasil, regiões com acelerado processo de perda de habitat por pastagens e lavouras. Sem a proteção natural, o veado campeiro sofre com a caça ilegal, predação e doenças – como a febre aftosa, ao entrar em contato com bovinos. A população desses cervídeos caiu no país a ponto de a espécie entrar para lista vermelha como vulnerável à extinção, um alerta. Mesmo no Pantanal, onde estão as maiores populações de veado-campeiro, estudos indicam declínio populacional. No do sul do Brasil, as populações desse animal estão extremamente reduzidas e isoladas, correndo o risco de serem completamente extintas no futuro. No Cerrado, algumas unidades de conservação sustentam populações maiores, porém isoladas e ameaçadas pela caça e queimadas de grandes proporções. O fogo reduz muito a disponibilidade de alimentos para a fauna silvestre, além de poluir o ar e prejudicar os cursos d´agua. Para reverter esse cenário, infraestrutura e recursos adequados ao bom manejo das unidades de conservação e fiscalização de atividades ilegais como a caça. Um manejo correto e bem planejado do fogo, evitando queimadas de grandes proporções, tanto em unidades de conservação quanto em pastagens próximas a essas áreas protegidas pode garantir a disponibilidade de alimentos ao longo da estação seca. E dar uma chance para que as pessoas possam, no futuro, conhecer essa espécie na natureza.