Tomadores de decisão podem melhorar as chances de alcance das metas climáticas e limitar o aquecimento global a 1,5ºC se assumirem compromissos mais específicos para a transformação de sistemas alimentares nacionais.
Melhorando a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) para Sistemas Alimentares, um novo relatório publicado nesta terça-feira (1) por WWF, Programa da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma), EAT e Climate Focus, aponta que países estão perdendo oportunidades significativas de reduzir emissões de gases de efeito estufa.
O documento também identifica 16 caminhos para tomadores de decisão empreenderem mais ações, do campo à mesa.
Ao incluir dietas e perda e desperdício de alimentos aos planos climáticos nacionais, tomadores de decisão podem melhorar a contribuição para a mitigação e a adaptação dos sistemas alimentares em até 25%.
Segundo o Acordo de Paris, os países devem revisar ou reapresentar seus NDCs a cada cinco anos. Neste ano, portanto, os legisladores têm a oportunidade de adotar soluções para sistemas alimentares e definir metas e medidas mais ambiciosas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e, consequentemente, melhorar a biodiversidade, a segurança alimentar e a saúde pública.
Sistemas alimentares – que reúnem todos os elementos e atividades relacionados à produção, processamento, distribuição, preparação e consumo de alimentos – correspondem a até 37% de todas as emissões de gases de efeito estufa.
Seguir na trajetória atual significa que os sistemas alimentares, sozinhos, serão responsáveis por esgotar os orçamentos de emissões compatíveis com 1,5ºC em todos os setores. Embora 89% dos NDCs mencionem a produção agrícola, as metas de redução de emissões estão incluídas em outras metas mais amplas, normalmente sobre uso da terra.
Demais ações nos sistemas alimentares, como reduzir a perda e o desperdício de alimentos ou adotar dietas mais sustentáveis são amplamente ignoradas, apesar de representarem uma oportunidade combinada de reduzir as emissões em até 12,5 Gt CO2e – o equivalente a 2,7 bilhões de carros fora das ruas.
“Compromissos ambiciosos, mensuráveis e com prazos determinados para a transformação dos sistemas alimentares são necessários se quisermos alcançar um futuro de 1,5ºC. Falhar nisso é ignorar um dos principais fatores da crise climática atualmente”, diz Marco Lambertini, diretor-geral do WWF-International.
“Sem ação sobre como produzimos e consumimos alimentos, não podemos alcançar nossos objetivos climáticos ou de biodiversidade, que são a base para alcançar a segurança alimentar, prevenir o surgimento de doenças e, em última análise, cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.”
“É por isso que instamos os governos a incluírem abordagens de sistemas alimentares positivos para o clima e a natureza em NDCs revisados e mais ambiciosos a serem apresentados neste ano”, declara.
Segundo Inger Andersen, diretora-executivo do Pnuma, a pandemia expôs a fragilidade de nossos sistemas de abastecimento de alimentos, desde cadeias de valor complexas até impactos em nossos ecossistemas.
“Mas também demonstrou que as empresas e as pessoas estão prontas para se reconstruírem melhor. Essa crise nos oferece a chance de repensar radicalmente como produzimos e consumimos alimentos”, afirma.
Por exemplo, reorientar o consumo reduzindo pela metade o desperdício de alimentos e adotar uma mudança para dietas mais ricas em vegetais também é uma ferramenta poderosa de mitigação climática que podemos utilizar. “Cabe a nós aproveitar essa oportunidade e colocar os sistemas alimentares sustentáveis no centro da recuperação verde”, afirma.
As 16 ações identificadas no relatório incluem a redução do uso da terra e mudança e conversão dos habitats naturais, o que poderia reduzir emissões em 4.6 Gt CO2e por ano. Comparativamente, reduzir a perda e o desperdício de alimentos, que representa 8% de todas as emissões de gases estufa, poderia diminuir as emissões em 4.5 Gt CO2e por ano. Ainda assim, só 11 países mencionam perda de alimentos em seus planos atualmente, e nenhum considera o desperdício de alimentos.
Aprimorar métodos de produção e reduzir a emissão de metano pela pecuária poderia reduzir emissões em até 1.44 Gt CO2e ao ano. Porém, reduções muito maiores poderiam ser alcançadas com a adoção de dietas mais saudáveis e sustentáveis, que contenham uma proporção maior de alimentos vegetais em vez de animais. Essas mudanças poderiam evitar emissões de até 8 Gt CO2e por ano. Hoje, nenhum plano climático nacional discute de forma explícita a questão das dietas.
O relatório aponta que países desenvolvidos são menos propensos do que países em desenvolvimento a fornecer ações de mitigação setoriais específicas para a agricultura em seus planos climáticos atuais, embora, em termos absolutos, o número de ações específicas para reduzir as emissões nos sistemas alimentares de países em desenvolvimento também seja baixo.
Até agosto de 2020, 15 atualizações e revisões de NDC foram submetidas e, embora algumas incorporem a agricultura, ainda faltam ações. Os indícios iniciais são de que o consumo sustentável de alimentos e a perda e o desperdício de alimentos continuarão a ser ignorados no processo de revisão. Nenhuma das atualizações e revisões enviadas os menciona em suas contribuições de mitigação ou políticas e medidas.
“Os sistemas alimentares são uma oportunidade negligenciada de mitigação e raramente há uma oportunidade com tantos benefícios de desenvolvimento sustentável. Eliminar o consumo excessivo de carne, melhorar as instalações de armazenamento e reduzir o desperdício de alimentos é bom para a nossa saúde e melhora a segurança alimentar”, afirma Charlotte Streck, cofundadora e diretora da Climate Focus.
“Com uma lista de verificação e exemplos concretos de atividades e metas, esse relatório fornece orientação para que os tomadores de decisão integrem os sistemas alimentares em suas estratégias climáticas nacionais.”
Para Gunhild Stordalen, fundador e presidente da EAT, resolver a questão alimentar não é apenas um pré-requisito para alcançar os objetivos da Agenda 2030. É tão importante quanto a transformação de energia para o cumprimento dos termos do Acordo de Paris.
A transição para produções regenerativas e que absorvam carbono, além da adoção de dietas saudáveis, predominantemente baseadas em vegetais – que são baratos e acessíveis –, bem como a redução pela metade da perda e desperdício de alimentos, são ações cruciais que devem ser incluídas nos NDCs dos países e integradas em seus planos de ação climáticas com objetivos claros, disse.
“Enquanto entramos na Década da Ação, vamos fazer dela a década dos avanços para um futuro alimentar saudável e sustentável para todos”, defende.
Além de aumentar as ambições de seus NDCs, os países têm diversas oportunidades para reduzir emissões e preservar a natureza por meio de sistemas de alimentos.
Em 2021, no contexto da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15), líderes globais podem concordar com um novo acordo para a natureza e as pessoas, e com paralisação e reversão da perda da biodiversidade.
A primeira Conferência das Nações Unidas para Sistemas Alimentares também está prevista para 2021. Conforme o secretário-geral da ONU, António Guterres, pontuou ao anunciar a realização da conferência: “transformar sistemas alimentares é crucial para alcançar todas as metas de desenvolvimento sustentável”.
Clique aqui para acessar o relatório (em inglês).
(Via ONU News)
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