Por Glauco Requião*
É fato que os mercados têm percebido há algum tempo que o tema da sustentabilidade é muito relevante para o presente e futuro de nossa sociedade. Porém ainda é muito tímida a reação da opinião pública quando assuntos relativos à sustentabilidade são debatidos e muitas vezes rechaçados por importantes líderes mundiais. Em tempos de pandemia percebemos que essa preocupação pode estar tomando um novo rumo e novos debates mundiais.
Andrew Cunningham, professor da Sociedade Zoológica de Londres (Zoological Society of London, em inglês) afirmou recentemente que “O surgimento e a disseminação da Covid-19 não era apenas previsível, mas também esperado [no sentido de que] outra doença derivada de animais silvestres se tornaria uma ameaça à saúde pública”.
O professor referia-se a um estudo de 2007 sobre o surto de Sars em 2002-2003 que concluiu, à época, que “a presença do vírus Sars-CoV em morcegos-de-ferradura, juntamente com a cultura de comer mamíferos exóticos no sul da China, é uma bomba relógio”.
Todos estamos acreditando que a crise da Covid-19 nos oferece uma oportunidade de mudança. Ela está demonstrando, dentre outras coisas, que a separação das políticas de saúde das ambientais é uma ilusão perigosa. Afinal nossa saúde depende inteiramente do clima e de outros organismos com os quais compartilhamos o planeta, como nossa casa comum.
Em entrevista ao jornal britânico “The Guardian”, a diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Inger Andersen afirmou categoricamente que “a natureza está nos mandando uma mensagem com a pandemia do coronavírus e a atual crise climática”. Vou ainda mais além, está nos mandando um recado de que é possível agirmos juntos, a favor desta nossa casa.
Esse alerta pode ser confirmado ao observarmos, por exemplo, que na cidade de São Paulo, com a quarentena desde o dia 24 de março, como forma de contenção ao novo coronavírus, os índices de poluição atmosférica reduziram em cerca de 50% em apenas uma semana. Conforme demostrou a comparação dos dados atmosféricos divulgados pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) entre as semanas do dia 15 a 21 e 22 a 28 de março.
Na Europa não foi diferente, cidades como Bruxelas, Paris, Madri, Milão e Frankfurt tiveram uma redução nos níveis médios de dióxido de nitrogênio entre 5 e 25 de março na comparação com o mesmo período do ano passado. Dados da Agência Ambiental Europeia (EEA) revelaram que em Madri, os níveis médios de dióxido de nitrogênio recuaram 56% na comparação semanal depois que o governo espanhol proibiu viagens não essenciais a partir de 14 de março. Em Milão a concentração do gás poluente dióxido de nitrogênio caiu 24% nas quatro semanas anteriores ao dia 24 de março, segundo a EEA.
Aqui no Brasil podemos ainda citar o fato de que nas quatro semanas após a implementação de medidas de combate ao novo coronavírus, a média do consumo de energia no Sistema Interligado Nacional (SIN) caiu 14% em relação aos primeiros 20 dias de março, de acordo com estudo realizado pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). No mercado livre, a redução foi de 18% no período de isolamento, impulsionada pelo baixo consumo nos principais setores da economia que negociam energia no mercado livre.
O consumo de combustíveis fósseis também despencou. De acordo com a Fecombustíveis (Federação Nacional do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes) os postos vêm sentindo também os efeitos das medidas de isolamento pois as vendas em São Paulo foram 39% menores do que a média histórica para o município, enquanto que em Goiânia, a queda foi de 42%; em Porto Alegre, de 26%; e em Belo Horizonte, de 19%.
Obviamente que esses números aparecem acompanhados de uma crise econômica que se inicia, mas pode sim serem indicadores de que podemos reduzir emissões, buscar energias alternativas, repensar as formas de produção e os transportes públicos, uma vez que os indicadores ambientais responderam positiva e surpreendentemente com as ações implementadas.
Porém devemos relembrar que muitos países já demonstraram preocupações e mudaram seus discursos depois do evento SARS, em 2003/2004, que foi um primeiro grande alerta – o maior impacto econômico causado por doenças emergentes até aquela época. Entretanto, aquele vírus foi superado, graças às nossas medidas de controle e logo depois, houve um grande alívio e todos voltamos a viver como era de costume.
Será que amanhã nos esqueceremos destas lições novamente e nós que lutamos por um mundo mais sustentável voltaremos a ser considerados inimigos do progresso e daquilo que alguns chamam de desenvolvimento? Somente o tempo dirá…
*Advogado, consultor em sustentabilidade e criador do Portal Postura Sustentável.