Na agenda 2030, a forma como a sociedade e a economia se organizam leva os agentes a tomarem decisões que privilegiam retornos econômicos de curto prazo, sem preocupação com as externalidades sociais e ambientais geradas nos processos de longo prazo. Nas consequências, ambas crises atingem, talvez em proporções distintas, tanto quem procura se ajustar à nova rotina quanto quem continua a vida “normal”.
Nos dois casos, o maior entrave para reduzir impactos negativos é provocar uma mudança de comportamento em larga escala. Nos ODS, fatores como ser uma agenda de médio/longo prazo, com impactos predominantemente indiretos, mesmo que de proporções gigantescas, além da necessidade de coordenação em nível global, impõem um desafio maior para a transformação.
Ou seja: como aprendemos com a economia comportamental, não é fácil convencer alguém a trocar um benefício imediato pela supressão de problemas de longo prazo, mesmo que estejamos falando de verdadeiras catástrofes climáticas e sociais, como demonstram os cientistas do clima.
Nas duas situações, há também os oportunistas preocupados em extrair o máximo de valor no menor tempo possível, agindo contra a transformação necessária, e a organização coletiva para denunciar e combater tais movimentos. Questões naturais a qualquer processo de mudança. De qualquer forma, a crise que estamos vivendo mostra como a sociedade pode ajustar comportamentos, ao ser informada adequadamente e criar consciência sobre o papel de cada um. Nos momentos em que conseguimos fazer isso, foi possível convencer parte das pessoas a cumprir sua parte e viabilizar que cientistas e especialistas trabalhassem nas estratégias de resposta mais adequadas. Não quer dizer que seja fácil.
Como sociedade, estamos sofrendo e precisaremos de muita resiliência para continuar em frente. Ainda é incerto o tamanho dos impactos da Covid-19. Ambientalmente, por exemplo, foi possível verificar redução da poluição atmosférica em locais que decretaram o isolamento lockdown. Por outro lado, houve crescimento no uso de descartáveis e prejuízos relevantes para a cadeia de reciclagem. Fato indiscutível é que teremos mudanças profundas nos sistemas de saúde, na economia e na própria cultura. O que fica para o futuro é o principal aprendizado desta crise: somos capazes de fazer grandes transformações quando estamos convencidos de que vale a pena.
Vejamos o exemplo das fake news, mazela de nossos tempos que se dissemina com velocidade assustadora e que gera consequências graves para política, economia e sociedade. O remédio? Informação de qualidade, que salva vidas, previne enganos e viabiliza decisões mais inteligentes. No cenário atual, a boa notícia é que é possível vislumbrar relances de uma sociedade mais consciente, o que também gera novas demandas para governos, empresas e marcas. Ponto para os jornalistas profissionais, que vem cumprindo sua incansável missão de apurar informações e gerar conhecimento, a ponto de ser reconhecidos pela população durante a crise, com índices de confiança muito superiores aos verificados em redes sociais e aplicativos de mensagens.
Que o combate a essa difícil crise sanitária global ensine todos nós, atores responsáveis por fazer a Década da Ação se concretizar, como alavancar as mudanças necessárias para o desenvolvimento sustentável: convencer pessoas depende de boa comunicação, baseada em evidências, valorizando a ciência e com engajamento genuíno dos stakeholders. As sociedades, empresas ou comunidades que conseguiram fazer isso foram aquelas que se saíram melhor durante a pandemia.
Para a transformação que buscamos com os ODS, esta crise evidencia algo fundamental. Se soubermos tirar as lições já mencionadas, construiremos juntos um novo normal, que fará mais sentido e será realmente sustentável para as pessoas e para o planeta que habitamos. Afinal, não temos para onde fugir e o tempo continua correndo. Ou mudamos a forma como fazemos as coisas, ou novas tragédias de proporções cada vez maiores nos esperam.