Nelzair Vianna

Pandemia e Infodemia: A informação é o melhor remédio

Estamos passando a maior crise dos últimos 100 anos, jamais vista por esta geração. Uma pandemia inicialmente caracterizada pela crise sanitária e, assim como cerca 70% das doenças infecciosas emergentes, esta também tem surgido pela invasão de ambientes naturais, com manipulação inadequada de animais silvestres que neste caso levou ao aparecimento de um novo coronavírus que paralisa o planeta e vem ameaçando à saúde humana.

Uma sequência de outras crises tem surgido em função desta, deixando a população vulnerável no contexto de uma crise socioeconômica, e ainda em especial no Brasil também numa crise politica, o que tem dificultado a orientação adequada ao cidadão comum. No meio de tudo isso estamos imersos também numa Infodemia, como foi denominada pelo diretor da OMS (Tedros Adhanom), sobre o volume de informações que tem sido veiculado para o controle da pandemia.

A cada dia surge uma grande quantidade de informações que nem sempre tem ajudado na tomada de decisão e gerenciamento dos riscos. É compreensível que isto esteja acontecendo pela peculiaridade da situação, onde todo o conhecimento sobre a  doença está sendo produzida no exato momento em que vem devastando a vida de muitas pessoas. Só para exemplificar, numa pesquisa sobre a Covid-19 feita no dia 16 de junho deste ano, no Pubmed,  foram encontrados 23.148 resultados de artigos científicos publicados.

Este volume de informações tem dificultado até mesmo a comunidade científica em seguir o curso normal de apropriação, maturação e análise deste conhecimento. A pandemia tem mostrado a capacidade de colaboração da ciência mundial e a velocidade que este conhecimento pode ser consumido pela sociedade, orientando a tomada de decisão por parte dos governos no mundo inteiro. Mas a grande ameaça está na Infodemia, que consiste principalmente em informações que surgem a partir da produção de Fakenews, com interesses inimagináveis, e que infelizmente possuem  alcance muito maior que o conhecimento científico, confundindo a população e comprometendo o controle de riscos.

Neste momento, estamos em plena ascensão na curva de crescimento dos casos da Covid-19 no Brasil, com variações distintas nos diversos estados, onde o governo federal anuncia flexibilização da quarentena com reabertura dos postos de trabalho, enquanto a ciência recomenda fortemente a manutenção do distanciamento social para todos e lockdown em alguns casos, baseado em evidencias científicas atualizadas.

Afinal o que seguir? A quem seguir? Esta dúvida não poderia existir se a tomada de decisão fosse baseada unicamente na ciência. Saúde baseada em evidências deve ir além da pandemia, pois toda decisão, não somente do governo, mas também do cidadão deve ser baseado em conhecimento confiável.

Estudos recentes tem comprovado que o distanciamento social, medidas de higiene e utilização de máscaras são as medidas mais eficazes do controle da doença, já que não existe vacina nem tratamento específico. Um estudo na China que acompanhou 124 famílias, demonstrou que a utilização de máscara  possui eficácia de 79% de proteção para a Covid-19 e as medidas de higiene conferem 77% de proteção.

Apesar das evidências, existe ainda um grande desafio em levar informações seguras que permitam ao cidadão perceber estes riscos, a vulnerabilidade em que se encontra e também reconhecer a sua responsabilidade no controle desta pandemia. Dentre outros fatores, a desigualdade social da nossa população tem trazido à tona que as dificuldades em atender as orientações básicas para o controle da pandemia se depara ainda com o contexto social, moradias inadequadas, falta de saneamento, além das condições socioeconômicas de uma população muitas vezes dependente de trabalhos informais.

Mas enquanto não é possível atender a todos estes problemas estruturais em que se encontra grande parte da população, temos que pensar em formas urgentes de gerenciamento desta crise, que pode ter na veiculação de informações confiáveis uma importante ferramenta para salvar vidas. A pandemia tem mostrado a capacidade de colaboração da ciência mundial na velocidade em produzir conhecimento que possa ser consumido pela sociedade e que tem orientado a tomada de decisão por parte dos governos no mundo inteiro.

Entretanto, a ciência ainda tem um grande desafio em saber comunicar bem os seus achados estabelecendo o diálogo com a sociedade, diminuindo a distancia entre o conhecimento científico e a tomada de decisão. As pequenas decisões individuais também são fundamentais neste processo. A propósito, estamos em véspera de São João, tempo de fogueira, fogos e fumaça,  e mais uma orientação precisa chegar em tempo sobre o risco de inalar fumaça, que pode aumentar a chance de infecção pelo coronavírus e gravidade da doença.

Um estudo recente de Harvard demonstrou que a cada incremento de 1ug/m3 de partículas no ar, aumenta a chance em 8% para a mortalidade pelo coronavírus. Enquanto não existe vacina, nem tratamento farmacológico para conter o vírus, a boa informação é o seu melhor remédio!

Nelzair Vianna, PhD, pesquisadora em Saúde Pública da Fiocruz, fiscal atuando no GT C40 da Secretaria da Cidade Sustentável, Inovação e Resiliência (Secis) de Salvador, doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP.

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Antropoceno: Crise do Clima e Pandemias

Não se fala em outra coisa. Um ser que ninguém vê a olho nu, pode estar em todo lugar, tendo viajado o mundo inteiro e alterado a vida de famílias, cidades, estados e países. Um vírus originário da nossa relação, nada sustentável, com animais silvestres (nesse caso um morcego), se alastra de forma devastadora e, não podia ser diferente, se transformou na prioridade número zero para o planeta.

Quem não se sentiu em um filme de ficção cientifica, naquela situação que ninguém imaginava realmente acontecer? A pandemia saiu do dicionário e virou verbete onipresente na TV, Jornais, Internet e conversas pelo celular, afinal não temos mais as conversas de bar.

A consolidação e aprofundamento da chamada globalização, o mais alto índice de urbanização da história e uma desigualdade social que ainda nos envergonha (ou deveria), são ingredientes que transformaram o Coronavírus presente em todos os continentes. Porém, há um elemento fundamental nesse processo: não podemos deixar de lado que vivemos a Era do Antropoceno. Nossa era se caracteriza pelo impacto que o homem tem causado nos ecossistemas.

Em prol do desenvolvimento econômico modifica de forma irreparável as condições climáticas no planeta, evidenciando um modelo de globalização e da exploração do ambiente já insustentável. Por outro lado, a Covid-19 tem sido chamado de Vírus da “desglobalização”, em função da forma como governos de todo o mundo vêm reagindo para conter o avanço do contágio: fechar portos, aeroportos, estradas e rodoviárias.

Uma outra reflexão importante é que a crise climática passou pra lista secundária de prioridades. É natural e necessário que o combate ao vírus seja a única prioridade do momento, mas como sairemos dessa grande confusão?

A Covid-19 está mostrando como subestimamos os impactos da crise climática, em especial, dos riscos à saúde que enfrentamos diariamente. A poluição do ar é uma das principais causas de mortes no mundo. De acordo com estudo publicado no European Heart Journal, ela foi a causa de 8,8 milhões de mortes em 2015, a partir de doenças cardiovasculares como ataque cardíaco e AVC, e já ultrapassa as causadas pelo consumo de tabaco que matou 7,2 milhões de pessoas em 2015, segundo dados da OMS. No Brasil, essas mortes aumentaram 14% em 10 anos. Em 2006, 38.782 morreram, número que pulou para 44.228 em 2016, de acordo com o estudo Saúde Brasil 2018. Internações por problemas respiratórios custaram R$ 1,3 bilhão ao SUS em 2018.

Estudos recentes revelam que a infecção pelo Coronavírus é maior em pessoas expostas ao cigarro e a poluição. Só na China, a poluição do ar matou 1,6 milhões de pessoas por ano e em todo o mundo 7 milhões. Durante este surto na China, em dois meses, cerca de 3200 pessoas morreram devido a poluição do ar, um número maior que a Covid-19.

Essa pandemia traz lições que deverão nortear decisões futuras para a questão climática, modificando o comportamento humano frente aos riscos sanitários e ecossistemas naturais. Tudo está interconectado e a visão de saúde no Antropoceno deve considerar a perspectiva de uma saúde planetária.

Já que estamos em casa, aproveitemos para cuidar do nosso quintal, pois a dengue não respeita quarentena. Já temos um desafio gigantesco pela frente e não precisamos de um mosquito pra nos atrapalhar, né?!

Nelzair Vianna é Pesquisadora em Saúde Pública da Fiocruz e Doutora em Ciências pela FMUSP . André Fraga é Engenheiro Ambiental e Doutorando pela Faculdade de Medicina da USP.

Artigo originalmente publicado na edição impressa do Jornal Correio* em 02/03/2020 


Crise climática e a rede hospitalar: Mitigação ou Adaptação?

O gerenciamento da crise climática tem sido pauta para os diversos setores. Instituições de cuidado à saúde do mundo inteiro têm se preocupado com as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e os impactos na saúde e sustentabilidade, incluindo os aspectos econômicos e sociais. EUA, Canadá, Austrália e Inglaterra contabilizaram emissões anuais de 748 milhões de toneladas de CO2. Para efeito comparativo dentro do ranking de emissões mundiais, se esse resultado fosse considerado de uma nação, isto corresponderia ao sétimo lugar no ranking mundial das emissões de GEE.

A crise climática tem sido reconhecido pela OMS e outros consensos internacionais da área médica e saúde planetária, como sendo uma grande ameaça para a saúde pública no século XXI. Fatores diretos, indiretos, sociais e dinâmicos contribuem para o surgimento de doenças, onde os mais vulneráveis são mais afetados.

Estima-se que a poluição ambiental seja atribuída à mortalidade de 12,6 milhões de pessoas anualmente, isso corresponde a 23% de todas as causas de mortalidade. O impacto da crise climática sobre a saúde pode ocorrer devido às ondas de calor, desastres naturais e eventos extremos, poluição do ar emitida pela queima de combustíveis fósseis, queimadas e incêndios florestais, qualidade da água, insegurança alimentar, favorecendo o surgimento de doenças crônicas não transmissíveis, transmitidas por vetores, desnutrição e efeitos mais difusos como doença mental, dentre outras.

Diversos relatórios e publicações científicas têm alertado para o problema e apontam para uma necessidade urgente de engajamento local em ações de mitigação e adaptação. De acordo com publicação de um dos mais importantes periódicos da área médica, o JAMA, em agosto de 2019, Sherman e colaboradores apontam para a necessidade da criação de grupos interdisciplinares de pesquisa envolvendo conhecimentos de engenharias e ciências médicas, que possam interligar conhecimentos sobre a saúde do paciente e a saúde planetária.

Há lacunas de evidências em contextos locais, o que ainda requer estímulos para as parcerias intersetoriais e inclusão deste tema como disciplina acadêmica, que possa reunir esforços e uma nova conscientização de profissionais do setor saúde. Recentemente, Salvador sediou o I Seminário Baiano de Hospitais Saudáveis promovido pela Organização Hospitais Saudáveis e pela Santa Casa de Misericórdia da Bahia, reunindo setor público e privado em temas de governança local, impactos das mudanças climáticas sobre a saúde, energia, compostagem de alimentos, gerenciamento de resíduos, exemplificando ações que contribuem diretamente para a mitigação destes riscos no contexto hospitalar.

É chegada a hora de reconhecer especialmente o papel deste setor na mitigação, adotando ações para redução das emissões de GEE. Para a adaptação é necessário ampliar espaços de discussão para o planejamento da assistência direta aos pacientes vitimados por estas circunstancias.

Nelzair Vianna, PhD, pesquisadora em Saúde Pública da Fiocruz, fiscal atuando no GT C40 da Secretaria da Cidade Sustentável, Inovação e Resiliência (Secis) de Salvador, doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP.