Nos últimos dias, praias dos estados nordestinos registraram a presença de manchas de petróleo no mar. Ainda sem origem identificada, o ‘óleo misterioso’ encontra-se, aparentemente, em estado degradado, e existe o risco de que também venha a contaminar áreas de mangue, ecossistema considerado o berçário da vida marinha.
Nesta entrevista ao portal Notícia Sustentável, a professora-doutora Olívia Cordeiro de Oliveira, diretora do Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia (Igeo/Ufba), explica como tem sido feito o trabalho de análises das amostras de óleo coletadas nas praias de Sergipe e da Bahia.
Segundo a pesquisadora, uma das maiores especialistas do País nessa área, a geoquímica forense pode identificar a origem do petróleo, mas o prejuízo em nível ambiental é “incalculável”.
Ouça:
Em relação ao óleo que já foi analisado, o que se pode concluir?
Olívia Oliveira: Por iniciativa própria do Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia (Igeo/Ufba) decidimos analisar geoquimicamente o material que poluía o Nordeste brasileiro. Realizamos duas frentes de trabalho:
1) Solicitamos parceria de Equipe de Pesquisadores da Universidade Federal de Sergipe (UFS), sob coordenação da Dra. Maria de Lourdes Rosa, para coleta de resíduos poluidores ao longo da costa sergipana. Encaminhamos o protocolo de coleta desenvolvido e adotado por nosso Grupo de Pesquisa e a Equipe da UFS coletou 27 amostras no dia 4 de outubro, as quais nos foram encaminhadas e devidamente acondicionadas no dia seguinte.
2) Outra frente de trabalho para coleta na primeira região costeira identificada, contaminada no litoral baiano: Sítio do Conde/BA. Essa Equipe foi constituída pela técnica/química do Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia, Dra. Sarah Rocha e pelo pesquisador da Universidade Estadual de Feira de Santana, Dr. Marcos Melo. Nessa área foram coletadas duas amostras do material contaminante, sob as mesmas condições protocolares.
Todo esse material – amostras coletadas nos sedimentos de praia dos litorais sergipano e baiano – foram devidamente cadastrados no Laboratório de Estudos do Petróleo (Lepetro)/Igeo/UFBA, e foram iniciados os procedimentos analíticos no Centro de Excelência em Geoquímica do Petróleo.
A primeira etapa analítica consistiu da separação física do material contaminante (com odor característico de petróleo) da areia. O material coletado em dois dias de procedimento analítico tem sofrido processo de retirada da água presente e ataque químico com reagentes específicos para separação dos compostos orgânicos presentes.
Nos primeiros dias de análise, comprovamos geoquimicamente que o material contaminante se trata de petróleo.
Em quanto tempo será possível descobrir a origem desse óleo?
Esperamos que em cinco dias tenhamos todas as amostras analisadas, as quais passarão por equipamentos com tecnologia de ponta, internacionalmente reconhecidos e operados por pessoal especialista da nossa Unidade, Igeo/Ufba. Após os resultados analíticos com laudo técnico, equipes de pesquisadores especialistas em geoquímica do petróleo avaliarão tais resultados e elaborarão laudo conclusivo interpretativo. Essa conclusão tomará como base análises realizadas em óleos/petróleos que compõem o Banco de Óleos Nacionais e Internacionais de nossa Instituição. Tais análises não indicam o fato ocorrido para haver tal contaminação. Ela poderá/deverá indicar com máxima precisão a origem do petróleo – ambiente geológico/Bacia Petrolífera a qual o petróleo contaminante foi gerado. A partir desses resultados os órgãos competentes podem realizar as buscas necessárias para entendimento do acidente ocorrido.
Como funciona a geoquímica forense?
A geoquímica forense se utiliza de parâmetros geológicos/geoquímicos para promover determinada investigação e contribuir para a elucidação com precisão científica de determinado fato/acidente. Nosso parque analítico/laboratorial do Instituto de Geociências associado com a Equipe de Pesquisadores/Profissionais altamente especializados estão aptos a realizarem trabalhos dessa natureza. A investigação em tela é um grande exemplo de nossa especiação na temática Geoquímica do Petróleo, também vinculada à processos de biorremediação. Nossa expertise tem se ampliado constantemente e inúmeras são as pesquisas nessa linha de atuação, nas quais o Programa de Pós-Graduação em Geoquímica: Petróleo e Meio Ambiente (Pospetro) tem se engajado. No entanto, os demais Programas de Pós-Graduação do Igeo/Ufba dedicam-se igualmente na formação de pessoal e desenvolvimento especializado na Geologia, Geofísica e Geografia, tendo diversas linhas de pesquisas exclusivas e direcionadas.
Quanto ao meio ambiente, quais são os impactos que este vazamento representa?
O impacto é incalculável. Ameaça a vida de plantas e animais marinhos. Se estende por toda a cadeia alimentar. Os sedimentos litorâneos, como exemplo as praias, são afetadas.
Quando atinge os manguezais torna-se muito mais difícil ou quase impossível a limpeza física e consequentemente as comunidades que utilizam do pescado para venda e compra são igualmente prejudicadas.
Qual é a importância da pesquisa científica nesse sentido?
Muito me orgulha da nossa instituição, Igeo/Ufba especialmente na área da Geoquímica do petróleo possuir capacidade técnica e analítica comparável aos Centros de Pesquisa já reconhecidos e desenvolvidos há muitos anos.
Nos últimos anos, os laboratórios de ensino e pesquisa do Igeo/Ufba têm se preocupado em implementar ações visando à sustentabilidade e menor impacto sobre recursos naturais, baseadas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Tais laboratórios alicerçados nesses princípios vem buscando a constante redução ou eliminação do uso de substâncias químicas e geração de resíduos.