Não faz muito tempo que a ambientalista e empreendedora Joana Kalid percebeu a necessidade de gerar menos impacto na geração dos seus resíduos domésticos. Ao se questionar sobre como poderia destinar melhor o próprio lixo orgânico, a moradora de Jaguaribe, em Salvador, não só transformou seu sonho particular em atitude sustentável, como também decidiu usar o negócio para disseminar informações sobre como reutilizar estes resíduos.
“Além da consultoria e solução ambiental, despertamos e ensinamos sobre a importância de fechar um ciclo, reduzindo o impacto sobre o que seria ‘lixo’ e debater sobre consumo consciente e descarte dos resíduos”, afirma. No primeiro semestre de 2016, nascia a Compostar, empresa que comercializa composteiras domésticas para apartamentos e casas, equipamento que reaproveita os resíduos orgânicos que se tornam biofertilizante, espécie de adubo natural.
Mas aí vem o sol, a chuva, o esquenta e esfria. O tempo fecha do nada. O sol aparece. Tira casaco, bota casaco. A ideia de Joana pode até ter saído do lixo, mas as ações do dia a dia podem ter mais a ver com as mudanças do clima do que se imagina. “Os eventos extremos são um ótimo indicador para nos convencer de que temos que agir para diminuir as emissões do efeito estufa”, destaca o diretor de projetos do Centro de Estudos em Sustentabilidade (FGVces), George Magalhães.
Segundo o especialista, a diminuição das emissões de carbono depende, sobretudo, de decisões melhores não só de governos e do setor privado, mas de todos. Incluindo de quem joga um papel no chão achando uma coisa ‘boba demais’ e incapaz de entupir um bueiro durante o período de chuva.
“A população em geral tem de estar atenta e deve ter a compreensão de que também é parte da solução, adaptando alguns hábitos e desenvolvendo outros. É preciso ter um papel ativo nisso”, defende George.
Ações efetivas
Combater o aquecimento global também passa pelo direito de saber a origem do que compramos, defende Adriana Charoux, da Campanha Amazônia do Greenpeace. A carne em nossa mesa, por exemplo, tem boas chances de ser proveniente de desmatamento ilegal e trabalho análogo à escravidão, segundo aponta a organização.
“Como se não bastasse o problema com a questão climática, estamos expostos à carne contaminada com desmatamento e trabalho escravo. Infelizmente, apesar de promessas e compromissos de mercado, medidas condizentes com a urgência climática que vivemos ainda não estão sendo adotadas como deveriam”, critica.
A diretora de Comunicação e Engajamento da WWF-Brasil, Gabriela Yamaguchi concorda. Para ela, é necessário que o consumidor se informe sobre todo processo até o bife chegar no prato. “Existem diferentes formas de proteína, e não precisamos cortar a carne, apenas não exagerar nas porções”, diz.
Outra questão de impacto está no consumo de energia, como observa o pesquisador em Energia e Consumo Sustentável do Idec, Clauber Leite. Em breve, a entidade vai lançar uma calculadora que aponta a pegada energética de cada pessoa como mais uma forma de estimular as atitudes conscientes “A preocupação do consumidor – que acaba sendo o responsável indireto por estas emissões – é cada vez maior. Quando ele passa a gerar sua energia ou busca alternativas de reduzir o seu consumo, além do apelo ambiental há também o impacto no bolso”, explica.
A analista de conteúdos e metodologias do Instituto Akatu, Larissa Kuroki, lembra que o planeta entrou no “cheque especial”. Atualmente já foram consumidos 75% mais recursos do que a Terra é capaz de regenerar em um ano. “Não existe vida sem consumo e nem consumo sem impacto”.
Ainda assim, se em cinco dias da semana você substituir, em um pequeno trecho (4km no total de ida e volta), o uso do carro à gasolina pela caminhada ou bicicleta, ao longo de um ano consegue evitar a emissão de uma quantidade de gases de efeito estufa equivalente à emitida na geração de energia elétrica para manter quatro lâmpadas de LED acesas diariamente, durante 6 horas por dia, ao longo de 21 anos. “Com essa percepção, os consumidores podem começar a avaliar suas atitudes e então compreender quais delas devem ser modificadas, buscando informações sobre como fazê-lo”, recomenda a analista.
Consciência coletiva
Em seu relatório mais recente, divulgado neste mês, o Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudanças Climáticas (IPCC) sublinhou o papel vital das florestas na limitação da temperatura global, para que não se eleve acima dos 1,5ºC, ponto que, se ultrapassado, poderá acirrar ainda mais eventos climáticos extremos, como secas prolongadas, queimadas e enchentes.
O problema existe. O importante é sair do discurso e partir para a prática. Segundo o Change.org Brasil, só na última semana, quase 5 milhões de pessoas assinaram o abaixo-assinado criado por uma estudante de direito de Manaus dentro da plataforma para pedir medidas do governo contra o desmatamento da floresta. Outros 3 milhões apoiam uma petição contra as queimadas.
“Tudo conta. Ações individuais são tão importantes quanto ações coletivas. Quando a população cobra, os políticos costumam se mexer”, pontua o diretor-executivo da Change.org Brasil, Rafael Sampaio. A mudança deve vir de todos os lados, mas é preciso provocá-la. “Para haver uma transformação genuína é importante que as pessoas elevem sua voz e cobrem atitudes”, acrescenta.
O QUE VOCÊ PODE FAZER
Consuma Produtos locais Para a Diretora de Comunicação e Engajamento da WWF-Brasil, Gabriela Yamaguchi, a decisão faz a diferença: “Você deixa de usar transporte, além de poder abrir mão de comprar de grandes indústrias, que produzem CO2”.
Fique de De olho no consumo de carne Segundo o pesquisador em Energia e Consumo Sustentável do Idec, Clauber Leite, a maior parte das emissões tem relação com a pecuária. “O setor avança no desmatamento e nas suas emissões. Reflita sobre isso”.
Multiplique A internet é um terreno fértil para isso. Mas é preciso ter cuidado com as falsas notícias, como alerta o diretor-executivo da Change.org Brasil, Rafael Sampaio. “se informe, leia veículos com credibilidade, não espalhe fake news”.
Reaproveite A ativista e empreendedora Joana Kalid defende o reaproveitamento de todos os resíduos orGânicos gerados por cada um de nós. “é preciso despertamos para a importância de fechar um ciclo, reduzindo o impacto sobre o que seria ‘lixo’”.
Se engaje Além da própria mudança de hábitos, a analista de conteúdos e metodologias do Instituto Akatu, Larissa Kuroki, destaca o pensamento coletivo: “é preciso também exigir ações de governos, empresas e demais organizações da sociedade civil”.
Mude O diretor de projetos do Centro de Estudos em Sustentabilidade (FGVces), George Magalhães, reforça a importância de começar com atitudes simples. “Comece optando por abastecer o carro com etanol, separe seus resíduos e utilize lâmpadas de LED”.
(Por Murilo Gitel e Priscila Natividade, especial para o jornal Correio)