O presidente Luís Inácio Lula da Silva assinou na quarta-feira, 5 de junho, o decreto instituindo o Programa Nacional de Conservação e o Uso Sustentável dos Manguezais do Brasil – ProManguezal. Trata-se de um marco nas políticas públicas de conservação ambiental no Brasil, pois reconhece os manguezais como ecossistemas-chave para a biodiversidade e o clima.
O governo estima em mais de 500 mil as famílias que dependem diretamente dos recursos dos manguezais para sua sobrevivência, incluindo pescadores e pescadoras artesanais, marisqueiras e extravistas.
Representantes dessas populações tiveram participação direta na elaboração do programa, que contou com oficinas de escuta este ano – reta final de um processo de mais de uma década de trabalho conjunto, envolvendo diversos especialistas, governo, terceiro setor e outros parceiros.
As oficinas trouxeram importantes contribuições ao texto final sobre o uso sustentável, ações para abordar a questão de gênero na gestão do manguezal, do extrativismo e pesca nesse ecossistema e na vulnerabilidade aos efeitos da mudança do clima.
Uma nota Técnica do Ministério do Meio Ambiente-MMA informa que “O Eixo 3, intitulado ‘Redução de vulnerabilidades socioambientais associadas à mudança do clima nos manguezais’, foi uma importante inclusão advinda dos diálogos com os diversos atores. Reconhecer o papel do manguezal para o enfrentamento dos efeitos da mudança do clima e estabelecer ações específicas para esse aspecto e função do ecossistema é uma oportunidade ímpar para que o país possa enfrentar melhor toda a emergência climática da qual tem sofrido. (…) A construção desse eixo com especialistas nacionais, internacionais, e povos e comunidades tradicionais é considerada um ganho ao Programa para a conservação dos manguezais brasileiros e para o enfrentamento do Brasil à mudança do clima.”
O ProManguezal é uma política pública que dá continuidade ao Projeto GEF Mangue, e ao Plano de Ação Nacional para a Conservação das Espécies Ameaçadas e de Importância Socioeconômica do Ecossistema Manguezal (PAN Manguezal), implementados nos últimos anos em parceria com diversas comunidades tradicionais e outras instituições, como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio.
De acordo com Mauricio Bianco, vice-presidente da Conservação Internacional (CI-Brasil) – que apoiou o MMA na realização das oficinas de escuta – o debate sobre a importância dos manguezais para o enfrentamento da crise climática permitiu a todos os atores envolvidos, do governo às comunidades e povos tradicionais costeiros e marinhos, contribuir para a conservação desse ecossistema.
“Os manguezais são o ecossistema que mais estoca carbono na natureza, por isso é conhecido como carbono azul. Ou seja, se fomentarmos sua conservação e manutenção, garantiremos o mais potente sumidouro de carbono, ao mesmo tempo que serão beneficiadas as populações tradicionais que dependem dos manguezais para seu sustento”, detalha Mauricio.
Alberto Cantanhede Lopes, coordenador da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos – CONFREM, que participou das oficinas, alerta também para a vulnerabilidade dos manguezais às mudanças do clima: “A gente percebe uma alteração principalmente nos últimos 10 anos nas mudanças climáticas e na alteração da vida dessas populações, que pagam muito caro por essas alterações porque isso influencia também nas produções, na captura do que é para alimento, do que é para fazer a renda dessas famílias”.
O ponto de partida das oficinas de escuta foi um encontro em Brasília, em janeiro deste ano, reunindo governo, academia, sociedade civil e representante da CONFREM para debater sobre a importância estratégica dos manguezais no enfrentamento da crise climática. O objetivo foi incorporar a lente de mudanças climáticas ao debate, contribuindo para que o texto do decreto viesse a ser baseado em evidências científicas. A minuta desse encontro serviu de base para mais duas oficinas de escuta no Pará, com representantes da costa norte e nordeste (AP, PA, MA, PI, CE) e em Pernambuco, com representantes de comunidades da costa nordeste, sudeste e sul (AL, BA, ES, PB, PR, PE, RJ, RN, SC, SP, SE), realizadas entre março e abril.
“Esse programa para o manguezal significa muito, principalmente para nós mulheres”, declarou Marizélia Carlos Lopes, pescadora, quilombola e coordenadora da Articulação Nacional das Mulheres Pescadoras Bahia (ANP) e uma das participantes das oficinas de escuta. “Não é à toa que a gente está nesse processo de construção desse programa. A gente está exatamente defendendo esse espaço que é tão importante. Então, a gente tem discutido, por exemplo, o quanto as mudanças climáticas afetam, principalmente, as mulheres. Então, é um espaço de renovação de esperanças. Juntas e juntos, vamos continuar fazendo a defesa de nossas vidas”, declarou.
“A gente acha muito importante esses encontros para debater com as autoridades competentes para a gente saber o que a gente sente lá na ponta, o que e quais são os impactos, principalmente agora que estão querendo extrair petróleo na costa do Amapá. A gente está muito preocupado”, declarou Fábio de Souza Vieira, liderança comunitária da CONFREM. Ele mora na comunidade do Sucuriju, no extremo norte do Amapá, onde há uma faixa contínua de manguezal muito grande e muito densa.
Manguezais: fortes aliados na luta contra a crise climática
Eles não estão nas manchetes nem movimentam as redes sociais, mas são um dos ecossistemas mais importantes do planeta. Além de proteger a costa de tempestades e eventos extremos, atuando como barreira natural – uma infraestrutura verde – são também um verdadeiro berçário para dezenas de espécies de peixes e mariscos e fonte de renda para milhares de pessoas que vivem em comunidades costeiras no Brasil e no mundo. E cumprem sua tarefa também quando o assunto é a mudança do clima: são o ecossistema que mais armazena carbono.
Os manguezais são este eficiente ecossistema que cobre cerca de 150 mil quilômetros quadrados em todo o mundo, principalmente nas zonas tropicais, e ocupa aproximadamente 15% das faixas costeiras do planeta. No Brasil, são cerca de 1,4 milhão de hectares que vão do Oiapoque, no Amapá, até Laguna, em Santa Catarina.
Do ponto de vista econômico, são fundamentais para a cadeia da pesca: estima-se que entre 70% e 80% das espécies de peixes marinhos de interesse comercial dependem deles para seu desenvolvimento. Do ponto de vista social, são fonte de renda para dezenas de milhares de famílias, que dependem deles também para sua segurança alimentar. Um dos exemplos mais notáveis é a extração de mariscos, realizada principalmente por mulheres em praticamente toda a costa brasileira. Do ponto de vista técnico, são descritos como áreas úmidas que ocorrem na transição entre ambientes marinhos e terrestres, sujeitos ao regime de marés. Mas é do ponto de vista climático que os mangues têm atraído a atenção em todo o mundo.
Estudo publicado na revista Frontiers in Forests and Global Change indica que um hectare de manguezal no Brasil pode armazenar entre duas e quatro vezes mais carbono do que um mesmo hectare de outro bioma qualquer, incluindo a floresta amazônica. A explicação está no solo lamoso: uma de suas características é a baixíssima concentração de oxigênio, o que retarda e, às vezes, chega a impedir a decomposição da matéria orgânica soterrada nele.
Esse estoque cresce continuamente com o acúmulo da matéria orgânica que vem de fora, com rios, e que é produzida por ele mesmo. O crescimento de sua vegetação também contribui com a estocagem de carbono. Estimativas globais indicam que os manguezais podem sequestrar quase 1 bilhão de toneladas de carbono por ano, o que o coloca no topo da lista dos ecossistemas que mais absorvem carbono. A conservação deste ecossistema, portanto, é fundamental para a estabilidade do clima.
No caso do Brasil, unidades de conservação abrangem 90% dos manguezais brasileiros. “O Brasil pode ser um exemplo global ao aliar a conservação e sustentabilidade social e econômica dos manguezais nas suas estratégias nacionais de Clima, Biodiversidade e Gestão Costeira”, destaca Mauricio Bianco. Atualmente o Brasil caminha para tornar-se signatário da iniciativa Mangrove Breakthrough, idealizado pela Aliança Global pelos Manguezais e UN-Climate Change High-Level Champions, da qual a Conservação Internacional também faz parte.
Apesar disso, os manguezais brasileiros estão em risco. Mais recentemente, a atividade petroleira tem se posicionado como potencialmente danosa ao ecossistema – seja pela exploração ou pelo transporte, como o Brasil testemunhou no caso do vazamento de óleo na costa do Nordeste, e também pela intensa expansão urbana sobre essas áreas.
Conservação Internacional atua em manguezais há quase três décadas
O Programa Marinho da CI-Brasil teve início em 1996 com ações de pesquisa, divulgação e apoio à implantação de Unidades de Conservação, em especial do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, na Bahia, do qual faz parte de seu Conselho Consultivo. Apoiou os processos de criação e participou ativamente da gestão das Reservas Extrativistas Corumbau (2000), Canavieiras (2006) e Cassurubá (2009), todas na Bahia, das quais é membro dos conselhos deliberativos. Estas Resex possuem importantes áreas de manguezal.
A CI-Brasil contribui ativamente também na revisão do marco regulatório das pescarias do caranguejo-uçá, em uma iniciativa conjunta com o ICMBio e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, como parte do projeto Manguezais do Brasil. O processo visa realizar um diagnóstico para subsidiar a revisão da legislação vigente, através da realização de uma série de oficinas e encontros participativos com os atores envolvidos na cadeia de valor do caranguejo-uçá. Nestas oficinas são colhidas percepções e dados acerca da captura (petrechos, andadas/defeso), manuseio, estocagem, transporte, segurança no trabalho, entre outras informações relacionadas à pesca do caranguejo-uçá visando subsidiar normativas que garantam mais coerência local no manejo e na extração desse recurso.
Atualmente, a CI-Brasil atua no apoio ao desenvolvimento das capacidades de governança do governo e das comunidades costeiras e marinhas sobre temas relacionados aos manguezais, na costa norte por meio de parceiros e globalmente em temas relativos ao carbono azul, a fim de resguardar os modos de vida, cultura e direitos das comunidades tradicionais costeiras e marinhas que necessitam participar dos processos de decisão sobre o tema e contribuem diretamente na conservação e gestão sustentável.
Além da parceria com a Conservação Internacional, a construção do ProManguezal contou com apoio do Projeto TerraMar, uma iniciativa do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) do Brasil e do Ministério Federal do Meio Ambiente, Proteção da Natureza, Segurança Nuclear e Defesa do Consumidor (BMUV) da Alemanha, como parte da Iniciativa Internacional para o Clima (IKI), e implementado pela GIZ no contexto da Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável.