Apesar de os aportes em startups terem desacelerado após o boom de 2021, os negócios voltados para impactos sociambientais continuam com boas chances de captar recursos. É o que mostra o relatório ESG Radar 2023, da consultoria Infosys, que ainda indica que os investimentos em ESG, sigla em inglês para Ambiental, Social e Governança, devem chegar a US$ 53 trilhões até 2025 – valor que equivale a um terço dos ativos globais sob gestão atualmente.
No Brasil, investidores já estão atentos à tendência e na disputa por encontrar as melhores iniciativas que atendam a esses parâmetros. É o caso do BR Angels, grupo de investimento-anjo fundado em 2019, que já destinou aproximadamente R$ 10 milhões para o segmento. Segundo o fundador e CEO do BR Angels, Orlando Cintra, esse é um movimento acelerado por mudanças sociais.
“Tivemos mudanças significativas como sociedade em um curto período de tempo, passando por uma pandemia, novas relações de trabalho, novos governos e agora uma guerra que, apesar de estar distante geograficamente do Brasil, impacta em escala global, principalmente no aspecto econômico. Isso tudo fez com que os olhares da sociedade, das companhias e consequentemente dos investidores se voltassem para iniciativas que agregam um valor além. É aí que entram as startups de impacto social”, comenta Cintra.
Só no portfólio do grupo, formado por mais de 260 altos executivos de importantes companhias nacionais e multinacionais, encontram-se negócios como a Circular Brain, especializada em destinação de resíduos eletrônicos; Incentiv, que facilita o investimento em projetos sociais por meio de leis de incentivo fiscal; LandApp, pioneira na logística de materiais e resíduos sólidos da construção civil e Inspectral, que alia alta tecnologia para monitoramento ambiental, florestal, de recursos hídricos e do agronegócio.
Reciclagem de eletroeletrônicos
Com a missão de diminuir o impacto ambiental de resíduos eletroeletrônicos, a circulartech Circular Brain foi fundada em dezembro de 2019 e lançou a primeira plataforma digital do Brasil que conecta recicladores com fabricantes de eletrônicos, consumidores e compradores de materiais, integrando toda a cadeia produtiva.
De acordo com o fundador e CEO da startup, Marcus Oliveira, mesmo após o decreto que regulamentou a logística reversa de resíduos eletrônicos, em 2020, grande parte da reciclagem desses itens no país ainda é baseada em um modelo antigo, que envolve o transporte do material para grandes operadores, geralmente concentrados no sudeste do Brasil. Esse processo gera alto impacto ambiental, com a emissão de CO2.
“O mercado de reciclagem brasileiro ainda é muito desconectado e informal. Para mudar esse cenário e melhorar os índices de reuso, fechamos parcerias com pequenos recicladores regionais, que antes não eram acessados por grandes fabricantes de eletroeletrônicos, e ainda disponibilizamos um software de gestão completo. O sistema é capaz de rastrear os fluxos de produtos, partes, peças e materiais, assim como perdas e rejeitos gerados”, afirma Oliveira.
A Board Advisor da Circular Brain pelo BR Angels, Adriana Flores, considera o papel do aporte do grupo fundamental na jornada da startup, pois trouxe a tranquilidade necessária para o cumprimento da agenda de desenvolvimento, além de permitir testar diferentes formas de abordar o mercado e obter mais clientes. “Os empreendedores puderam aproveitar as mentorias com os associados do BR Angels para aprimorar áreas muito importantes do negócio, como vendas e RH, sanando várias dúvidas que naturalmente passam na cabeça de empresas que são jovens e estão em um processo de crescimento”, conta Flores.
Atualmente, a startup é capaz de gerenciar mais de 100 mil toneladas de resíduos por ano e atender 500 contratos de logística reversa e soluções globais de destinação ambiental de eletroeletrônicos. No portfólio de clientes já passaram gigantes como Intel, Caloi, TecToy, BENQ, Pado, ABREE, dentre outras. Até maio de 2023, a Circular Brain já acumula crescimento de mais de 1.200% em comparação com todo o ano de 2022 e prevê crescer mais de vinte vezes neste ano.
Recursos para projetos sociais
A Incentiv é uma startup de ESG e inovação tributária que faz o match entre projetos sociais que desejam captar recursos com empresas interessadas em investir seus impostos a partir de leis de incentivo fiscal.
O ecossistema integra soluções tanto para as iniciativas sociais, como captação de recursos, assessoria administrativa e assessoria de comunicação e marketing, quanto para os investidores, como calculadora de potencial para mapeamento de todas as leis de incentivo que podem ser utilizadas, ferramenta de transparência e monitoramento dos investimentos, dentre outras.
Com mais de 4.000 usuários cadastrados, R$1.5 bilhão em projetos aptos a captar recursos e 140 empresas investidoras, a plataforma da Incentiv é a mais robusta do segmento no Brasil e já atendeu companhias como a SulAmérica, IBM, Nubank, Electrolux, B3, Itaú, Mercado Livre e mais. Cerca de 510 projetos sociais já foram viabilizados pela startup em todo o país, com R$ 250 milhões captados por meio de 35 leis de incentivo diferentes.
Segundo o CEO da Incentiv, Douglas Lopes, a startup deseja democratizar o acesso de iniciativas sociais às leis de incentivos fiscais, aliando eficiência e transparência na utilização do recurso público, e tem planos de internacionalização. “Nós surgimos para ajudar a sanar o gargalo que existe entre a aprovação de projetos financiados nesse modelo e a captação de recursos necessária para executá-los. Enxergamos que muitos países, principalmente na América Latina, compartilham dores de mercado semelhantes com as do Brasil e, por isso, a nossa proposta de valor possui fit em escala global”, diz Lopes.
Para Camila Simão, co-fundadora da Mangue, plataforma de inventário de pegada de carbono e relatórios de ESG para empresas, e líder do grupo de mulheres investidoras-anjo BR Angels Smart Network, startups de impacto como a Incentiv.me têm a capacidade de abordar desafios urgentes da sociedade, assim como a agilidade e a flexibilidade necessárias para impulsionar mudanças significativas em curtos períodos de tempo.
“Por isso, há uma crescente demanda dos consumidores e investidores por empresas socialmente responsáveis e sustentáveis. As que adotam práticas de impacto demonstram um compromisso genuíno com a responsabilidade social e ambiental, o que pode resultar em maior fidelidade do cliente, atração de talentos e uma reputação positiva no mercado”, avalia a empreendedora.
Menos impacto na construção civil
A LandApp, plataforma de logística de materiais e resíduos sólidos da construção civil, é responsável pela primeira solução totalmente tecnológica e sustentável para construtoras e caminhoneiros do país. Com início das operações em 2020, a startup intermediou mais de 150 obras e já atendeu clientes como a Construtora Tenda, Cyrela, Gafisa, Even, Tecnisa, MRV, dentre outros.
Com a LandApp, os clientes são capazes de fazer o planejamento logístico de suas obras com apenas alguns cliques, de forma segura e transparente. Para a destinação ou recebimento de materiais e resíduos, a plataforma aciona o número ideal de transportadores autônomos e os conecta com recicladores, aterros legalizados, pedreiras e jazidas. Ainda é possível compartilhar materiais entre obras por meio do programa Aterro Zero LandApp, o que reduz as distâncias percorridas pelos caminhões, diminuindo os custos e as emissões de CO2, que até o momento já superam 740 toneladas de CO2 economizados.
“Mudanças climáticas representam um dos maiores desafios globais que enfrentamos atualmente e as empresas e startups como a LandApp têm um papel fundamental a desempenhar na redução das emissões de gases de efeito estufa e na transição para uma economia de baixo carbono. Além disso, as políticas de carbono zero também podem trazer benefícios econômicos, como a redução de custos operacionais, o fortalecimento da resiliência empresarial e a preparação para regulamentações futuras”, comenta a associada do BR Angels Camila Simão.
O fundador e CEO da LandApp, Matheus Protti, explica que além da construção civil ter uma das maiores pegadas ecológicas do planeta, a atividade sofre historicamente com problemas de produtividade. “Alguns dos nossos recursos, como monitoramento por geolocalização dos transportadores, possibilitam o atendimento de vários segmentos e regiões simultaneamente, bem como o acompanhamento da produtividade e da evolução do projeto. No final, isso impacta no preço de operação de todo o fluxo de materiais e resíduos da construção civil no país”, explica Matheus.
Outro aspecto que a startup se preocupa é com o desenvolvimento da classe de transportadores, fundamental para toda a cadeia, como conta a sócia-fundadora Mayara Protti. “Nós disponibilizamos um aplicativo mobile que permite que os caminhoneiros façam a gestão na palma da mão das obras em que desejam trabalhar, com controle de agenda, ganhos e viagens realizadas, além de parcerias e descontos exclusivos. Temos como missão desenvolver a comunidade de motoristas de caminhão no Brasil, contribuindo para a maior profissionalização, rentabilidade e segurança da classe”, diz Protti.
Monitoramento ambiental inteligente
A Inspectral é uma ESGTech criada para facilitar o monitoramento ambiental, florestal, de recursos hídricos e do agronegócio, aumentando a produtividade, a preservação e impulsionando o ESG dentro das companhias. Com uma plataforma SaaS que traz alta tecnologia, como IA, data science e modelagem bio-óptica, a startup fornece parâmetros ambientais de maneira totalmente remota, escalável e com rapidez de atualização.
Em operação desde 2019, a empresa foi fundada em Presidente Prudente, no interior de São Paulo, pelo casal de pesquisadores Alisson do Carmo e Nariane Bernardo, que inicialmente investiram recursos próprios. De lá para cá, além do aporte do BR Angels, a startup já contou com diversos fomentos públicos de órgãos como FAPESP, FINEP, CNPq, Sebrae e Fundep.
Hoje, no portfólio de clientes estão as companhias Aegea Saneamento, Jirau Energia, CPFL Renováveis, Minas PCH e Ambev, para a qual a Inspectral aplica a tecnologia fora do país pela primeira vez. Na visão do fundador e CEO Alisson do Carmo, a proposta de valor do negócio é gerar dados e métricas que ajudem na tomada de decisão e na otimização dos processos dos negócios, beneficiando a sociedade como consequência.
“Mesmo com os resultados obtidos em tempo real e em um intervalo curto em relação à outras soluções no mercado, a Inspectral tem menos da metade do custo. Outro diferencial é que trazemos o forte propósito de impactar positivamente a vida das pessoas em relação à água, questões florestais, do agronegócio ou qualquer outra vertical que, no fim, continua tendo a sociedade como foco”, declara Carmo.
Abordagem diligente
Enfim, o associado do BR Angels Deivison Pedroza, fundador da Verde Ghaia, especialista em compliance sustentável que foi adquirida pela empresa de capital aberto Ambipar, avalia que o investimento em startups de impacto requer uma abordagem diligente, em que os investidores devem conduzir uma análise cuidadosa do modelo de negócio, do potencial de mercado, da equipe de gestão e do impacto real da startup.
“Isso envolve a compreensão dos indicadores ESG relevantes, a análise dos riscos e oportunidades associados e a avaliação do alinhamento entre os valores da startup e o perfil dos investidores. E tudo isso vale a pena, porque quando se investe em negócios de impacto, deve-se pensar além do retorno financeiro imediato e considerar os múltiplos benefícios que esse tipo de iniciativa pode trazer, já que retorno financeiro e impacto social podem caminhar lado a lado”, finaliza Pedroza.