Leonardo Boff: “Tomar consciência da situação real do mundo é um dever ético”

Leonardo Boff ministrou palestra em Salvador, em setembro/Foto: BAMIN/Divulgação

A sustentabilidade representa, diante da crise socioambiental generalizada, uma questão de vida ou morte. Esta é a opinião do filósofo, escritor e professor Leonardo Boff, 83 anos, que esteve em Salvador ao final do mês de setembro para realizar uma palestra à convite da BAMIN, em meio ao lançamento da plataforma de ESG da companhia baiana.

Na ocasião, Boff, que é um dos intelectuais mais conceituados do Brasil na área da sustentabilidade,  compartilhou com os convidados informações, reflexões e alertas importantes sobre gestão de recursos naturais e o futuro do planeta. Para ele, é primordial o papel das organizações nesse sentido.

“Entendo sustentabilidade como aqueles processos e atos destinados a garantir a continuidade da vida, sua reprodução, para as presentes e futuras gerações. Não só para os seres humanos, mas para toda a comunidade de vida. De tal forma que, faltando sustentabilidade, nós corremos o risco de destruirmos as bases que sustentam a nossa vida. Olhando um pouco a situação do mundo, a gente se dá conta de que assim como as coisas estão, não podem continuar. Têm que mudar”, alertou o filósofo durante a sua apresentação.

Redução de desigualdades é vital para cidades sustentáveis

O autor de “Sustentabilidade – o que é – o que não é” (Editora Vozes) também fez um histórico do conceito desde o século 16 até os dias atuais, submetendo a uma rigorosa crítica os vários modelos existentes de desenvolvimento sustentável.

“Assim como as coisas estão, não pode continuar. Na ECO-92 se estabeleceu a Agenda 21, mas faltava um capítulo teórico para organizar todas as discussões, daí formamos um grupo para consultar a humanidade, seus princípios e valores que garantem a continuidade da vida, consultando mais de 40 países, milhares e milhares de pessoas, criando, assim, a Carta da Terra, em 2001, reconhecida pela ONU. É o dever ético de todos nós tomar consciência da situação real do mundo”, defendeu Boff.

Emergência climática e Sobrecarga da Terra

O filósofo também ressaltou que a mudança do regime climático da Terra é outra ameaça. “O último relatório do IPCC disse que o aquecimento global não virá em 2030, mas em 2027. A brasileira Patrícia Porto, que fez o resumo final sobre as possíveis consequências para o planeta, afirma que ao invés de ainda irmos ao encontro do aquecimento global, já estamos dentro dele, principalmente com o acúmulo já existe do metano e de outros gases do efeito estufa.”

Durante a palestra, Boff afirmou que há toda uma campanha mundial de desinformação para que as pessoas em todo o mundo não fiquem sabendo desses dados. Ele também citou a chamada Sobrecarga da Terra, que este ano ocorreu em julho.

COP-26 termina com adiamento de compromissos e acordo tímido

“Ela diz respeito ao esgotamento dos recursos naturais que o planeta é capaz de regenerar. Ou seja, na dispensa da Terra não há mais recursos. Esta é uma grande questão que os cientistas colocam. Ou mudamos, ou não haverá futuro. Porque o planeta Terra, que é pequeno, não suporta o projeto de crescimento ilimitado da humanidade. A encíclica que o Papa Francisco escreveu sobre a nossa casa comum não foi feita para os católicos, mas para toda a humanidade.”

Cuidado: a essência da vida

Boff enfatizou que os projetos da humanidade, quaisquer que sejam, precisam ser feitos com muito mais responsabilidade coletiva e cuidado. “O cuidado é a essência da vida humana e deve estar presente em todas as nossas iniciativas. Então, eu penso que a situação é grave, mas não precisa se tornar uma tragédia. Eu creio que não seja um fim do mundo, mas um fim deste mundo que criamos nos últimos três séculos”, ponderou.

Ao responder um questionamento do público presente no Porto Salvador Eventos, no bairro do Comércio, sobre o Antropoceno, época geológica caracterizada pelo impacto do homem na Terra – que estaríamos vivenciando hoje, Boff mencionou que, em verdade, este período já passou. “Levando-se em conta a quantidade de espécies que a humanidade está matando, não estamos mais no Antropoceno, e sim em um Necroceno”, justificou.

Leonardo Boff encerrou sua palestra com a mensagem de que a Terra é um super organismo vivo, da qual somos filhos. “Nós somos Terra que pensa, que anda, que ama. Devemos ser responsáveis pela Terra.”

É preciso impedir o retrocesso

Biografia

Natural de Concórdia (SC), Leonardo Boff cursou Filosofia em Curitiba (PR( e Teologia em Petrópolis (RJ). Doutorou-se em Teologia e Filosofia na Universidade de Munique (Alemanha), em 1970. Ingressou na Ordem dos Frades Menores, franciscanos, em 1959.

Durante 22 anos, foi professor de Teologia Sistemática e Ecumênica em Petrópolis, no Instituto Teológico Franciscano. Professor de Teologia e Espiritualidade em vários centros de estudo e universidades no Brasil e no exterior, além de professor visitante nas universidades de Lisboa (Portugal), Salamanca (Espanha), Harvard (EUA), Basel (Suíça) e Heidelberg (Alemanha).

Esteve presente nos inícios da reflexão que procura articular o discurso indignado frente à miséria e à marginalização com o discurso promissor da fé cristã gênese da conhecida Teologia da Libertação. Foi sempre um ardoroso defensor da causa dos Direitos Humanos, tendo ajudado a formular uma nova perspectiva dos Direitos Humanos a partir da América Latina, com “Direitos à Vida e aos meios de mantê-la com dignidade”.

É doutor honoris causa em Política pela universidade de Turim (Itália) e em Teologia pela universidade de Lund (Suécia), tendo ainda sido agraciado com vários prêmios no Brasil e no exterior, por causa de sua luta em favor dos fracos, dos oprimidos e marginalizados e dos Direitos Humanos.

Em 8 de Dezembro de 2001 foi agraciado com o Prêmio Nobel alternativo em Estocolmo (Right Livelihood Award).

É autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística.

Leave a Comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*